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O Brasil pode crescer mais

A receita para a economia se expandir mais sem gerar riscos inflacionários é conhecida, e nos últimos anos País tem colhido frutos dessa agenda. Mas o governo Lula precisa acreditar nela

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Por Notas & Informações
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A economia brasileira surpreendeu todos ao crescer 1,4% no segundo trimestre em relação aos três primeiros meses do ano, ante uma expectativa de 0,9%. De um lado, o resultado foi tão positivo que levou bancos e consultorias a rever para cima suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) para um nível mais próximo dos 3%. De outro, o desempenho voltou a despertar temores que a economia esteja rodando acima de sua capacidade, prestes a registrar repiques inflacionários e a repetir os chamados voos de galinha.

É um receio sempre pertinente em se tratando do histórico brasileiro nos últimos 50 anos, sobretudo quando a maioria dos setores contribui para o crescimento do PIB. A indústria cresceu 1,8%, puxada pelo setor de construção, que aumentou 4,4%, mas até mesmo a indústria da transformação, que em geral anda de lado, teve desempenho positivo, com alta de 3,6%. Serviços subiram 1%, e a agropecuária só caiu 2,30% em razão da concentração da produção no trimestre anterior.

Dois indicadores se destacaram: os investimentos e o consumo das famílias. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) cresceu 2,1% no segundo trimestre ante os três primeiros meses do ano e 5,7% na comparação com o mesmo período do ano passado. Foi o melhor resultado desde o primeiro trimestre de 2015, mas os investimentos ainda estão 13,1% abaixo do pico, alcançado no segundo trimestre de 2013.

Já o consumo das famílias subiu 1,30% no segundo trimestre em relação ao primeiro e 4,9% na comparação interanual. Como esperado, o aumento do emprego e da massa salarial, o avanço do crédito, os programas de transferência de renda, o pagamento de precatórios, o reajuste do salário mínimo e a antecipação do 13.º salário dos aposentados impulsionaram os gastos familiares.

Para o ministro Fernando Haddad, o resultado mostra que o governo tem conseguido fazer a atividade crescer sem pressionar a inflação. Ainda há dúvidas sobre o quanto as reformas aprovadas desde 2016 nas áreas trabalhista e previdenciária podem ter contribuído para elevar a capacidade produtiva da economia, mas o certo é que o PIB recorrentemente tem superado as projeções calculadas pelo mercado e dado razão às previsões dos governos nos últimos cinco anos.

Setores como o agronegócio e a indústria extrativa têm registrado recordes atrás de recordes, um desempenho que embute um ganho de produtividade que pode ter modificado o patamar da economia. O avanço das exportações e das importações na proporção do PIB mostra que, ao menos nesses dois setores, o País tem conseguido elevar sua ainda pequena inserção nos mercados internacionais.

Espera-se que a aprovação da reforma tributária sobre o consumo possa dar um impulso adicional a outros segmentos econômicos ao simplificar, modernizar e desburocratizar o sistema, favorecendo o desenvolvimento de atividades nas quais o País tem vocação e competitividade. Mas essa certamente não pode ser a única iniciativa do governo na direção das reformas.

É preciso priorizar os investimentos em uma educação de qualidade para capacitar trabalhadores para empregos melhores. Falta ao País uma infraestrutura robusta e capaz de reduzir os custos do setor produtivo ante competidores internacionais.

É preciso fortalecer marcos regulatórios para atrair investidores privados. É necessário garantir a autonomia das agências reguladoras para fiscalizar empresas e o cumprimento dos contratos. Nem o Estado nem as empresas estatais têm capacidade de investir à altura das necessidades do País, e isso tampouco é essencial.

Prova disso é o avanço da participação de empresas privadas no saneamento básico. Em menos de cinco anos, um setor até pouco tempo dominado por companhias estaduais com baixa capacidade de investimento mudou completamente após a aprovação do novo marco pela Câmara e pelo Senado.

A receita para a economia crescer mais sem gerar riscos inflacionários é conhecida, e o País tem colhido os frutos dessa agenda. Mas o governo Lula da Silva precisa acreditar nela e abandonar velhas convicções para que ela possa avançar sem percalços.