A cúpula do Brics na Rússia expôs as duas facetas em tensão de um grupo em franca expansão. De um lado, sua faceta original de uma coalizão de economias emergentes buscando seu lugar ao sol; de outro, a nova faceta de um clube geopolítico de viés autocrático e antiocidental liderado por China e Rússia.
O tamanho impressiona. Ao quarteto Brasil, Rússia, China e Índia idealizado há 25 anos e logo acrescido pela África do Sul, juntaram-se em 2023 Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes (a Arábia Saudita ainda não confirmou a adesão). Agora, uma dúzia de países adquiriu o status de associada e outros 30 estão na fila. Hoje o grupo representa 45% da população do mundo e 35% do PIB, superando os 30% do G-7. Mas expansão não implica automaticamente potência e pode até, a depender de seus desdobramentos, implicar debilidade.
A ampliação pode, em tese, sinalizar a emergência de uma nova ordem multipolar impulsionada por um movimento de países emergentes não alinhados, ou o alinhamento desses países em um polo hostil ao Ocidente. Mas superestimar essas possibilidades no curto prazo seria subestimar as incoerências do próprio grupo. No próprio Ocidente, há quem tenda à complacência com um grupo que é mais simbólico que prático e há quem se alarme com a ameaça de uma ordem pós-ocidental. Em ambos os casos, as novas configurações do grupo já não permitiram chamá-lo de um “bloco” (“bric” significa literalmente “tijolo” em inglês), mas ele seria mais como uma sopa de letrinhas (BRICSIEAUEE+) ou uma massa de manobra sino-russa. São destinos possíveis, mas ao Brasil não interessa nenhum deles, sobretudo o último.
Como disse Aslı Aydıntasbas, pesquisadora do think tank americano Brookings Institution, o Brics “não é um bloco coeso, mas é uma mensagem coesa, sobre o desejo de apresentar uma alternativa à ordem global”. Ao Brasil interessa preservar o anseio legítimo dessa mensagem por uma governança global reformada, mais inclusiva e com mais soberania política e financeira, e, na medida do possível, conferir-lhe efetividade buscando justamente a coesão que falta ao bloco. Não é um caminho fácil diante da pressão sino-russa. Mas o País não está sozinho. A Índia, em especial, também busca uma política de não alinhamento, e as realidades internas e externas ao bloco oferecem limites às ambições de Pequim e Moscou.
Egito, Emirados Árabes e Arábia Saudita, por exemplo, são parceiros de segurança dos EUA no Oriente Médio. A superação da unipolaridade do dólar até seria, idealmente, desejável, mas isso exigiria instituições confiáveis e alinhamentos multilaterais baseados num Judiciário independente, transparência e accountability. No caso da alternativa plausível, o yuan chinês, Pequim precisaria abandonar seus controles de capital e seu modelo de vigilância estatal, mas essas cartas não estão na mesa.
O Brasil assume a presidência do Brics e deveria aproveitar a oportunidade para afirmar sua posição de equidistância e independência. A retomada do processo de adesão à OCDE, o grupo de democracias ricas, traria ganhos nesse sentido. Mas nesse caso os rancores juvenis do presidente Lula falam mais alto. No entanto, seu infeliz acidente doméstico foi um golpe de sorte que poupou a ele e ao País muitos constrangimentos na Rússia de Vladimir Putin. E num lampejo de racionalidade o governo vetou a adesão da Venezuela e mostrou interesse na integração da Turquia, que também favoreceria a ala dos não alinhados. O interesse da China na adesão do Brasil à Rota da Seda também pode dar alavancagem ao País para promover seus interesses no Brics. Concretamente, o Brasil, na presidência, poderia trabalhar para que o grupo ao menos estabeleça critérios de adesão coerentes e transparentes.
Lula já disse que o Brics é “contra ninguém”. Seu histórico de ações exige que se tomem essas palavras com cautela. Mas a atuação do Brasil na última cúpula oferece alguma esperança de que as engrenagens profissionais do Itamaraty estão operando a favor de uma atuação racional em busca dos interesses do Brasil e pelo bem do próprio Brics.