A Cúpula do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) nos dias 22 e 23 de agosto, em Johannesburgo, pode ser um divisor de águas para o grupo. A presença de 22 países que manifestaram interesse em integrá-lo, entre eles Argentina, Arábia Saudita, Cuba, Irã e Venezuela, realça a discussão mais importante do fórum: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes e em que termos. Até o momento, o bloco foi mais simbólico do que concreto, mais econômico do que geopolítico, mais defensivo do que construtivo. A prevalecerem as ambições da China, que pressiona pela expansão, essas condições podem se inverter. Mas isso dificilmente serviria aos interesses do Brasil.
O acrônimo “Bric” foi fabricado como uma ferramenta de marketing pelos economistas da Goldman Sachs em 2001 para descrever grandes economias emergentes em crescimento acelerado. Mas, à parte essa similaridade, desde a formalização do grupo, em 2009, era indisfarçável um certo caráter contingencial e acidental, dada a heterogeneidade entre os membros. São duas das maiores democracias do mundo (Brasil e Índia) e duas das maiores autocracias (China e Rússia), uma das duas potências nucleares (Rússia) e um dos maiores produtores agrícolas (Brasil). Em geral, o Brics atuou como um grupo de pressão, relativamente unido pela desconfiança ao poder exercido pelos EUA por meio de sanções e intervenções militares. Não surpreende que, além de discussões abstratas sobre governança, a única iniciativa concreta do grupo tenha sido a criação de um banco de desenvolvimento, mas que é relativamente pequeno.
Ao longo da última década, mesmo a confluência econômica foi afetada por disparidades. O único país que cresceu expressivamente, investindo em uma economia baseada em conhecimento e inovação tecnológica, foi a China. A Índia começa a seguir esses passos, enquanto os outros permaneceram estagnados, dependentes de commodities, com sistemas políticos marcados por disfuncionalidades e carentes de reformas.
Em princípio, a guerra da Rússia contra a Ucrânia e a intensificação da rivalidade entre China e EUA sugeririam que o grupo deveria se concentrar em questões de interesse comum, como o financiamento de projetos, e evitar a pauta da expansão. Mas justamente essas circunstâncias têm motivado a China a fazer uma campanha agressiva pela ampliação. Para Pequim, ela seria uma oportunidade de expandir sua influência política e econômica. Para a Rússia, por sua vez, seria um meio de se defender do crescente isolamento diplomático por parte do Ocidente.
Brasil e Índia sempre resistiram à ampliação, conscientes de que ela diluiria sua influência no grupo em favor da China. Declarações recentes do presidente Lula da Silva parecem favorecer uma inversão dessa atitude. Mas, na atual circunstância, a resistência é mais, não menos, importante.
Como apontou o diplomata Rubens Barbosa no Estado, “num clube de dez ou quinze membros que votam exatamente como a China e a Rússia em questões como direitos humanos, democracia e guerra na Ucrânia, o Brasil vai ficar ainda mais isolado”. A estratégia brasileira (e indiana) de manter equidistância na rivalidade entre China (e Rússia) e EUA (e Europa) ficaria comprometida. O clube de economias emergentes não alinhadas se tornaria um clube geopolítico de orientação autocrática pautado pelos interesses chineses.
Nessas condições, não surpreende que um analista de relações internacionais reputado por posições conciliatórias, como Barbosa, seja taxativo: “Caso haja incorporação desse grande número de países, não restará ao Brasil alternativa senão deixar o grupo para manter sua posição de independência e afirmar uma posição de liderança no Sul Global”. Na sua condição de grupo de pressão sobre o “Norte” e de foro de aproximação diplomática entre grandes economias emergentes e ocasionalmente de financiamento de projetos de interesse comum, o Brics mantém seu valor para o Brasil. Mas, se prevalecerem os termos de expansão da China, o País tem muito a perder e nada a ganhar.