Pouca gente ainda se lembra, mas em 2010 Alexandre Tombini, indicado pela recém-eleita presidente Dilma Rousseff para a presidência do Banco Central (BC), foi aprovado com louvor em sabatina no Senado. Na ocasião, Tombini prometeu solenemente fazer o que fosse necessário para cumprir as metas de inflação e exercer seu trabalho com autonomia. Passados quase 15 anos, hoje sabemos que Tombini se tornou praticamente um ministro de Dilma, cedendo às pressões da presidente para segurar os juros mesmo diante da escalada da inflação.
Não se quer com isso dizer que Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central, terá o mesmo destino, mas é bom desconfiar. Aprovado com folga em sua sabatina no Senado, Galípolo não apenas assegurou que o Banco Central continuará autônomo e independente, especialmente nas decisões sobre a evolução dos juros, como fez questão de dizer que tal imperativo partiu dos próprios senadores.
Ocorre que o presidente da República é Lula da Silva, que a cada dia se parece mais com Dilma Rousseff no que diz respeito ao ímpeto gastador e à ojeriza à austeridade. Crítico feroz da alta dos juros para combater a inflação, Lula não esconde que gostaria de ver o presidente do Banco Central atuando em sintonia com seus projetos desenvolvimentistas. Enquanto Galípolo era sabatinado, o presidente voltou à carga, num evento com ruralistas. Ao se dizer muito feliz pelo fato de que a economia está “razoável”, Lula comentou que “a taxa de juros é alta, mas ela haverá de ceder”. Não é por acaso que a indicação de Galípolo para o BC gerou tantas dúvidas no mercado.
Galípolo é um jovem economista formado na heterodoxia e que até aqui mostrou melhor desenvoltura como político do que como administrador de banco – sua única experiência no mercado, presidindo o Fator por quatro anos, resultou em três anos de prejuízo e apenas um de lucro, e na sua despedida o rating do banco foi rebaixado para grau especulativo. Seu bom trânsito com economistas próximos de Lula e do PT o ajudou a integrar o Ministério da Fazenda de Fernando Haddad. Chegou a ser chamado de “menino de ouro” por Lula.
Tombini, é bom lembrar, era funcionário do BC desde 1998 e teve passagens pelo FMI. Ou seja, definitivamente não era um novato nem um despreparado quando chegou à presidência do BC. Mesmo assim, não resistiu à pressão de Dilma Rousseff para moldar a política monetária a seus delírios econômicos, que resultaram em inflação e recessão. Nada garante, portanto, que Galípolo conseguirá cumprir os compromissos que assumiu solenemente perante os senadores na sabatina.
É fato que, na época de Tombini, o BC não tinha autonomia formal, que hoje é garantida por lei. Mesmo assim, é preciso esperar para saber se Galípolo terá força para exercer essa autonomia, ou mesmo se terá interesse em contrariar o presidente da República, decerto preocupado em criar condições para melhorar suas chances numa eventual campanha à reeleição, o que passaria pela redução forçada dos juros mesmo diante de uma pressão inflacionária, como fez Dilma.
Até aqui, não se sabe se por cálculo ou por convicção, Galípolo tem se comportado de maneira exemplar como diretor de Política Monetária do BC. Com uma única exceção, Galípolo votou com os demais diretores quando o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu aumentar os juros, a despeito da cara feia de Lula.
Em maio, Galípolo e outros três diretores votaram pelo corte de 0,5 ponto porcentual (p.p.), mas prevaleceu a queda de 0,25 p.p., decidida pelos demais cinco membros do colegiado. Neste ano, ainda sob a presidência de Roberto Campos Neto, haverá mais duas reuniões, em novembro e dezembro. Mais do que a definição dos juros em si, o placar do colegiado será acompanhado como uma espécie de termômetro do que esperar do comando de Galípolo. No entanto, será na presidência efetiva do BC que o “menino de ouro” de Lula terá o dever de provar que suas palavras na sabatina eram mesmo para valer.