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O Congresso afronta o Brasil

Diante de um presidente incapaz de sinalizar preocupação com o equilíbrio das contas, deputados e senadores desidratam ajuste fiscal e fazem a farra com emendas e verbas partidárias

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Por Notas & Informações
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A esta altura, é ocioso afirmar que o Congresso não dá a mínima para o Brasil e para os contribuintes. No entanto, não deixa de espantar a sem-cerimônia com que os senhores deputados e senadores ignoraram olimpicamente as agruras fiscais do País e enfraqueceram o já esquálido pacote de ajuste fiscal apresentado pelo governo. Além disso, aproveitaram o ensejo e, na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, deixaram em aberto a possibilidade de aumentar a verba do Fundo Partidário de R$ 1,3 bilhão para R$ 1,7 bilhão e proibiram o corte de emendas impositivas ao Orçamento caso haja aumento de despesas obrigatórias. A tesourada só poderá ocorrer na improvável hipótese de haver queda na arrecadação federal.

Tudo isso sob o olhar complacente de um governo que parece ter perdido completamente a iniciativa política. Que a base do presidente Lula da Silva é volátil, para dizer o mínimo, todos sabem, mas, num regime presidencialista, é do Executivo que deve partir a sinalização dos rumos do País. E a sinalização dada por Lula, com clareza cada vez maior, é que os limites fiscais já não existem mais, se é que um dia existiram.

Se Lula quisesse, ou tivesse vocação para isso, poderia articular melhor a base para aprovar medidas de contenção de gastos mais duras. Recorde-se que os governos de Michel Temer e de Fernando Henrique Cardoso conseguiram aprovar reformas destinadas a conter o endividamento com um Congresso não muito diferente do atual. A diferença de Temer e FHC para Lula é que os primeiros tinham genuíno interesse em equilibrar as contas públicas, pois sabiam que disso dependia a prosperidade do País, ao passo que o petista sempre foi adepto da tese de que é o Estado quem deve promover o crescimento, por meio de gastos públicos – chamados eufemisticamente por Lula de “investimentos”.

Na ausência de convicção do governo, os parlamentares foram cirúrgicos ao analisar as propostas de ajuste fiscal e, diante de um plano de revisão de despesas que já chegara esvaziado, atuaram para enfraquecê-lo ainda mais. Assim, os deputados rejeitaram as alterações no Benefício de Prestação Continuada (BPC), mantendo apenas o pente-fino para reduzir fraudes. Além disso, abriram brechas para que os penduricalhos que permitem que o teto remuneratório seja ignorado possam ser mantidos. Os privilegiados do Judiciário e do Ministério Público certamente agradecem.

As emendas de comissão, herdeiras das antigas emendas de relator, base do chamado orçamento secreto, até poderão ser bloqueadas, segundo o projeto de lei do pacote fiscal, mas somente se os gastos obrigatórios superarem o teto definido pelo arcabouço fiscal, e no limite de 15% do valor total. Para garantir que tudo isso ocorra sem intercorrências, deputados e senadores autorizaram o Executivo, na LDO, a perseguir o limite inferior da meta fiscal do ano que vem, como fez neste ano.

Seria fácil, mas injusto, culpar apenas o Congresso por toda essa farra. Se é verdade que os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), têm sido fundamentais para garantir a aprovação dessas medidas, também é verdade que ninguém menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, afirmou recentemente que o Judiciário “não tem nenhuma participação nem responsabilidade sobre a crise fiscal brasileira”.

Os parlamentares são fisiológicos, mas dançam conforme a música. A maioria não quer comprar brigas com o Executivo. Se o governo atua em favor das reformas, o Congresso tende a aprová-las. Se o governo atua contra essas propostas, não há por que se desgastar com elas.

Tudo isso é reflexo da atitude de Lula da Silva. O presidente deveria dar o exemplo e defender seu pacote fiscal, mas vê no dólar a R$ 6,00 e nos juros futuros a 15% apenas um “ataque especulativo” do mercado financeiro contra seu governo.

Se há cegueira ou convicção na avaliação de Lula da Silva, pouco importa. Se o presidente da República, que em tese é o maior interessado, não acha que há um problema fiscal, não há razão para o Congresso se preocupar com o tema.