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O custo da chantagem no Ministério da Saúde

Por R$ 8,2 bi em repasses sem controle, Centrão tolerou Nísia Trindade no Ministério da Saúde. E o governo concordou em pagar. Azar dos que dependem do Estado para cuidar da saúde

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Por Notas & Informações
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O governo do presidente Lula da Silva e lideranças do Congresso parecem ter chegado a um preço pela permanência de Nísia Trindade à frente do Ministério da Saúde, sabe-se lá até quando: R$ 8,2 bilhões. Esse foi o valor repassado pela pasta aos Estados e municípios em 2023 fora dos controles republicanos, como revelou o Estadão. Alguns entes agraciados com repasses milionários não tinham sequer capacidade material para dispor de tanto dinheiro, um fato revelador de que a saúde e o bem-estar dos cidadãos estiveram muito longe de ser a grande preocupação dos envolvidos.

Há tempos o Centrão, conduzido pelo cabresto curto do presidente da Câmara, Arthur Lira, cobiça a cadeira de Nísia pelo portentoso orçamento da pasta e sua imensa capilaridade nacional. Sob forte pressão, a ministra tem se sustentado no cargo, mas aos poucos tem dado mostras de que parece ter entendido como a banda toca em Brasília. A autorização desses repasses ao abrigo da luz parece indicar que a ministra resolveu dançar conforme a música. Uma lástima, considerando o perfil técnico e a biografia impecável de Nísia.

Nada haveria de errado se os recursos federais tivessem chegado a seus destinos para viabilizar projetos bem planejados e implementados que, de fato, transformassem a vida da população local. Estar-se-ia ainda no campo das boas relações federativas e do respeito à Constituição se o manejo desses R$ 8,2 bilhões pudesse ser auditado de forma técnica e transparente e, não menos importante, se os resultados das políticas públicas supostamente financiadas por esses repasses pudessem ser mensurados.

Evidentemente, não foi o que aconteceu. E, a rigor, nem poderia ter sido, pois todo o processo de liberação dessa dinheirama foi montado de forma a servir a um propósito político-eleitoral, não para cuidar da saúde das pessoas. A blindagem de um escrutínio preciso, portanto, era um elemento fundamental para a consecução de objetivos para lá de antirrepublicanos.

Ora, a própria pasta da Saúde define critérios objetivos para liberar recursos, muitos ligados à capacidade de gestão dos entes federativos. Na prática, isso significa, entre outras medidas, estabelecer um teto de repasses diretamente vinculado à estrutura de atendimento local – o que faz todo o sentido à luz da racionalidade administrativa. Entretanto, o teto é válido para emendas parlamentares e algumas outras alíneas do orçamento, mas não para os repasses classificados como “emergenciais”. Eis a malandragem.

Boa parte dos R$ 8,2 bilhões foi enviada aos Estados e municípios justamente como “repasses emergenciais”. Resultado: em 651 cidades, o valor recebido extrapolou o teto fixado pelo Ministério da Saúde; em 20 delas, em mais de 1.000%. Onde foi parar todo esse dinheiro, só governadores, prefeitos e os padrinhos desses repasses no Congresso e no governo podem dizer.

Tanto Nísia Trindade como o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, juram de pés juntos que tudo foi feito de acordo com a lei e com as diretrizes das pastas que chefiam. Porém, não há explicações convincentes sobre os motivos pelos quais houve cidades que pediram recursos emergenciais à União e não os receberam, enquanto outras receberam muito mais do que poderiam gastar. Nesse sentido, decerto não é coincidência o fato de Alagoas, Estado de Lira, ter sido o mais beneficiado pelos repasses da Saúde, com R$ 166,5 milhões (além de outros R$ 103 milhões apenas para a capital Maceió, reduto eleitoral do presidente da Câmara).

Sabe-se que Lula tem de lidar com um Congresso que, se não lhe é totalmente hostil, está longe de lhe garantir conforto, mínimo que seja. Em primeiro lugar, há a dificuldade política advinda das urnas: a sociedade elegeu representantes que, em sua maioria, são avessos à agenda política de Lula e do PT. Ademais, os parlamentares se autoatribuíram prerrogativas sobre o Orçamento que tornam refém quem quer que seja o presidente da República. Assim, negociar apoio, sobretudo nessas condições, é legítimo. O que é inaceitável é esse vale-tudo à custa da saúde da população.