Do ponto de vista político, a revisão dos acordos de leniência firmados no âmbito da Lava Jato, mas não só, atende diretamente aos interesses do PT e, em particular, do presidente Lula da Silva. Conduzida com denodo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, essa revisão, que chega às raias do apagamento histórico, alimenta a parolagem de que o festim da corrupção que azeitou as negociações, por assim dizer, entre grandes empresários e governos petistas simplesmente não existiu. Em cima de um palanque, há poucos dias, Lula chegou a dizer que a Lava Jato teria sido uma conspiração urdida entre setores do Ministério Público Federal e o governo dos Estados Unidos a fim de acabar com o setor de óleo e gás no País. O presidente poderia ter incluído os Illuminati nessa trama que não faria a menor diferença.
Este mesmo Lula, entretanto, manifesta preocupação com as implicações econômicas da revisão dos acordos de leniência ora em curso no STF. No dia 6 passado, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou à Corte um parecer no qual argumenta que a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender o pagamento da multa acordada entre a Odebrecht e a força-tarefa da Lava Jato não tem ligação com as contrapartidas financeiras assumidas entre a empreiteira e o governo federal em 2018. No parecer enviado ao STF, a AGU sustenta que “a suspensão das obrigações pecuniárias alcançou tão somente aquelas decorrentes do acordo de leniência celebrado entre a empresa Novonor S.A. (antiga Odebrecht) e o Ministério Público Federal”.
De fato, a decisão exarada pelo ministro Dias Toffoli no dia 31 de janeiro determina claramente a suspensão de “todas as obrigações pecuniárias decorrentes do acordo de leniência entabulado entre a empresa Novonor S.A. e o Ministério Público Federal”, sem citar as multas previstas em acordos firmados com outros órgãos, como a própria AGU ou a Controladoria-Geral da União (CGU), como passíveis de suspensão. Resta evidente, portanto, que o governo Lula da Silva se esforça para seguir contando com o recebimento dos mais de R$ 6 bilhões (em valores corrigidos) assumidos pela Odebrecht, dos quais R$ 172,7 milhões, como apontou o jornal Valor, já foram pagos.
À luz do esforço da equipe econômica do governo para equilibrar as contas públicas e entregar um déficit zero neste ano, faz todo sentido exercer pressão sobre o STF para que o fluxo financeiro oriundo dos acordos de leniência não seja interrompido. Registre-se que a Odebrecht e o Grupo J&F foram só as primeiras empresas contempladas pela generosidade da caneta do ministro Dias Toffoli. Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Braskem, UTC e OAS estão na fila. A AGU estima em seu parecer que, caso essas empresas também tenham suas multas suspensas, o impacto para os cofres públicos será de R$ 8,2 bilhões.
Cabe lembrar, ainda, que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, salientou no recurso que interpôs para reverter a suspensão da multa do Grupo J&F, de mais de R$ 10 bilhões, que a interrupção dos pagamentos poderá causar um “vultoso prejuízo” nos fundos de pensão de empresas estatais, principalmente no da Caixa Econômica Federal (Funcef) e da Petrobras (Petros). A cada um desses fundos caberia receber algo em torno de R$ 2 bilhões do total da multa do Grupo J&F. No entendimento do procurador-geral, as decisões de Toffoli, no limite, representam “grave risco ao sistema previdenciário complementar brasileiro”.
Como se vê, está posto um evidente contrassenso. Ou bem os acordos de leniência foram firmados pelos representantes das empresas sob “chantagem institucional” e, portanto, devem ser integralmente anulados, ou não houve coação alguma, devendo todos os pactos serem mantidos na integralidade de seus termos. O que não é possível, ao menos para os que ainda nutrem apreço pelo Estado Democrático de Direito, é acordos firmados sob a supervisão do Poder Judiciário serem considerados ilegais para suspender os ônus que recaem sobre uma das partes signatárias e legais para manter seus bônus, a prejuízo do erário.