O assalto a Israel no dia 7 foi o maior massacre de judeus num só dia desde o Holocausto e o mais sangrento em 100 anos de conflito com os palestinos. A selvageria foi comparada ao 11 de Setembro, mas, proporcionalmente, morreram 10 vezes mais israelenses que americanos – fora os reféns. E a barbárie não foi perpetrada só por uma milícia clandestina, mas pelo governo “legítimo” (com muitas aspas) de Gaza. É humanamente compreensível a tentação de uma retaliação avassaladora. Mas – sem renunciar a seus imperativos de segurança, o que implica obliterar o potencial de agressão do Hamas – Israel tem o dever de evitar punições coletivas aos palestinos.
Ceder à tentação não só violaria a moral e as leis da guerra, como também seria contraproducente para os objetivos de curto prazo de Israel, de garantir a segurança de seu povo, e os de longo prazo, de convivência pacífica com os palestinos, por quatro razões: isso nutriria a instabilidade e o rancor que abastecem o extremismo; aumentaria o risco de insurgências dos palestinos da Cisjordânia e de ataques em outras frentes, como no norte, pelo Hezbollah; poderia implodir o processo de “normalização” com os países árabes, essencial para dissuadir a teocracia xiita do Irã; e deterioraria a legitimidade da guerra de defesa de Israel ante a comunidade internacional. São esses os objetivos do Hamas.
Aos olhos do mundo, o ultraje ante a reação de Israel versa sobre os bombardeios, a ordem de evacuação do norte de Gaza e o “cerco completo”, “sem eletricidade, sem comida, sem combustível”. Entidades humanitárias advertem que essas ações violam a Carta da ONU, que estabelece o direito de autodefesa, desde que o uso da força seja necessário e proporcional.
Apesar da retórica maximalista dos líderes israelenses, há sinais de que estão conscientes dos riscos. Na sexta-feira, por exemplo, uma chuva de folhetos israelenses caiu sobre o norte de Gaza alertando os civis que deveriam se retirar em 24 horas “para sua própria segurança”. O prazo expirou no sábado.
A extensão dos bombardeios e do bloqueio israelense precisa ser apurada. Se os primeiros forem indiscriminados e o segundo “total”, podem constituir efetivamente crimes de guerra. Mas, até onde se sabe, Israel – se não por princípios morais, por cálculo estratégico – sempre evitou bombardeios indiscriminados, e há notícias de que suas autoridades trabalham privadamente com EUA e Egito (que também bloqueia Gaza) para garantir que alguns suprimentos cheguem ao sul do território. Como disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ao lado do premiê Benjamin Netanyahu, Israel tem o direito de se defender, mas deve fazê-lo levando em conta “valores compartilhados (com os EUA) de vida e dignidade humana”, evitando, tanto quanto possível, que civis sejam atingidos. Os próximos dias dirão se isso foi feito.
De todo modo, qualquer análise de “necessidade” e “proporcionalidade” deve considerar que o Hamas não é um inimigo convencional. Governos em guerra tentam proteger seus cidadãos, mas é parte da estratégia do Hamas usar civis como bucha de canhão e escudos humanos. Isso aumenta exponencialmente o risco de danos colaterais em operações militares legítimas. Por anos, “fizemos (Israel) acreditar que o Hamas estava ocupado governando Gaza, e queria focar nos 2,5 milhões de palestinos lá”, admitiu, em entrevista, Ali Baraka, um líder do Hamas, enquanto “sob a mesa, preparávamos este grande ataque”. Abu Ghazaleh, um empresário apoiador do Hamas, resumiu: “Israel não sacrificaria uma só pessoa”, enquanto “uma mãe palestina diz: ‘Dei à luz seis filhos, para que três possam morrer na revolução’”.
Isso obviamente não expressa a opinião da maioria dos palestinos. Mas, mesmo sob um regime de fanáticos autoritários, essa maioria precisa pressionar o Hamas a ao menos liberar seus reféns. Como disse a ex-premiê israelense Golda Meir, “só teremos paz com os árabes quando eles amarem seus filhos mais do que nos odeiam”. Essa paz é impossível com o Hamas. Mas, assim como os israelenses precisam cumprir seus deveres morais e legais para conquistá-la, os palestinos precisam provar que também lutam por ela.