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O ‘empréstimo do Lula’

Melhor do que associar a figura do presidente à de uma financeira a quem os desesperados recorrem seria facilitar o acesso do trabalhador a um dinheiro que já é dele para aliviar dívidas

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Por Notas & Informações
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Em apenas três dias, 40,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada realizaram simulações sobre a nova modalidade de crédito lançada pelo governo. Desse total, 4,5 milhões efetivamente solicitaram o empréstimo consignado e 11 mil contratos já foram formalizados, segundo o Ministério do Trabalho. Os números evidenciam o interesse dos brasileiros e o filão que o governo deverá explorar na campanha eleitoral.

O público-alvo da medida são trabalhadores do setor privado com carteira assinada, empregados domésticos, trabalhadores rurais, assalariados e microempreendedores individuais (MEIs), que pagam, de fato, taxas bem mais altas do que as cobradas de aposentados, pensionistas e funcionários públicos em empréstimos consignados. A nova linha permitirá usar como garantia até 10% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e 100% da multa rescisória em caso de demissão.

Para quem está em apuros, e há muitos brasileiros nessa situação, trocar uma dívida cara por outra mais barata é um alívio e tanto, e é esse o mote do governo ao defender a medida. Mas a possibilidade de migrar o empréstimo e ter acesso a essas condições só estará disponível em um mês, ou seja, ao menos até agora, quem tomou o novo crédito consignado privado não o fez por essas razões.

A ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, deixou claro o espírito da coisa ao publicar em suas redes sociais um vídeo especialmente didático – não sobre a medida em si, mas sobre sua escandalosa finalidade eleitoreira. “Apertou o orçamento? O juro tá alto? Pega o empréstimo do Lula”, disse a ministra, como se o presidente fosse uma financeira a quem devedores desesperados recorrem.

Melhor do que defender o “empréstimo do Lula” seria garantir que o trabalhador tivesse acesso ao FGTS, um dinheiro que é dele, para amortizar ou quitar seus débitos. Mas a preocupação do governo, neste momento, é criar programas chamativos que possam ser utilizados na campanha à reeleição do presidente, e não ampliar as possibilidades de uso dos recursos do FGTS.

O novo empréstimo consignado tem potencial de atingir 47 milhões de trabalhadores e é mais um agrado do governo para tentar conquistar a classe média, como a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais e a criação de uma faixa estendida no Minha Casa Minha Vida para alcançar quem ganha entre R$ 8 mil e R$ 12 mil.

As medidas, em conjunto, devem aumentar a disponibilidade de recursos na economia, ampliar o consumo e pressionar a inflação. Para o governo, esse é o meio de manter o crescimento econômico aquecido até a disputa eleitoral, objetivo que vai de encontro à estratégia adotada pelo Banco Central para conter o avanço dos preços na economia.

Ideias que reduzam o custo do crédito no País são sempre desejáveis. Mas isso se faz por meio de medidas que ampliem a segurança do sistema, estimulem a criação de novos produtos financeiros, facilitem o ressarcimento em caso de fraudes, acelerem o processo de falências e reduzam a judicialização, como defendeu o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, em entrevista ao Estadão. A aprovação de tais medidas pelo Congresso tenderia a produzir efeitos duradouros, embora não imediatos. O problema é que colocar essa agenda em prática requer tempo e uma base de apoio sólida, e o governo não tem nenhum dos dois.

Ampliar o acesso a empréstimos no contexto atual é uma medida que, ademais, retroalimenta a inflação e os juros, reduz a potência da política monetária e contribui para manter a Selic elevada por mais tempo. Seria algo defensável se o crédito estivesse em queda, mas não é o caso – pelo contrário, há indícios de que ele esteja crescendo de maneira excessiva há pelo menos dois anos.

Mas Lula prefere menosprezar todos esses riscos de olho somente na reeleição, sem pensar no fato de que pode ser ele mesmo, caso permaneça no poder, quem tenha de lidar com os custos de suas próprias decisões equivocadas.