O porcentual de crianças brasileiras de 0 a 3 anos com acesso à creche subiu de 28% em 2013 para 40% em 2023, de acordo com o recém-divulgado Anuário Brasileiro da Educação Básica, um levantamento da ONG Todos pela Educação realizado em parceria com a Fundação Santillana e a Editora Moderna. Trata-se certamente de um avanço, mas, como bem pontua o estudo, marcado por desigualdades. Esta é, por sinal, uma tônica do levantamento como um todo; apesar de algumas conquistas, a educação básica brasileira segue marcada por deficiências, limitações e desafios.
Além de a maioria das crianças menores ainda não ter acesso a creches, o País tampouco alcançou a universalização da pré-escola para crianças de 4 e 5 anos. Ainda que este indicador tenha melhorado, passando de 89% em 2013 para 94% em 2023, quando avaliado em conjunto com o de acesso a creches, o quadro geral é de um país que continua a negligenciar a primeira infância, período inicial da vida determinante para o desenvolvimento de habilidades cognitivas.
Fundamental para o pleno desenvolvimento do indivíduo e para a promoção do crescimento econômico, o investimento em educação nos primeiros anos de vida também é bem mais barato do que a assistência social oferecida a adultos que cresceram sem desenvolver habilidades básicas.
No Brasil, historicamente, gasta-se mais com o ensino superior do que com a educação básica, síntese de como o País trata seus cidadãos, geralmente beneficiando quem já está em situação privilegiada. É verdade que nem todos os alunos tiveram facilidade para chegar à universidade, mas, enquanto o País não privilegiar o ensino básico, o que não é desculpa para descuidar do superior, seguirá roubando de suas crianças uma possibilidade de futuro.
Nesse sentido, é positivo que, de acordo com o levantamento, o gasto médio com alunos da educação básica tenha crescido 50% nos últimos dez anos. Ainda assim, este investimento segue sendo inferior a um terço da média investida por países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De acordo com o Anuário, o crescimento no investimento em educação, ainda inferior ao de muitos países, está diretamente relacionado ao novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), aprovado pelo Congresso em 2020.
Para além de ampliar o investimento de modo a garantir que os mais pobres, em especial, tenham pleno acesso à educação, uma das poucas ferramentas que podem fazer com que tenham progresso efetivo na vida, é preciso atenção especial ao professor, o principal ator da área educacional.
Infelizmente, no que diz respeito ao corpo docente, o quadro é desolador. Quase 13% dos professores da educação básica não possuíam graduação em 2023. Na educação infantil, a questão da má formação profissional é ainda pior: um em cada cinco não tinha curso superior. Ocioso dizer que a combinação entre aluno carente e professor mal preparado não leva a lugar algum.
Sem qualificação adequada, não é de estranhar que a maioria dos professores (51,6%) em atividade nas redes estaduais do Brasil não tenha vínculo com as escolas e trabalhe por meio de contratos temporários. Temos aqui a tempestade perfeita: professores com formação deficiente são aprovados em processos seletivos menos rigorosos e, muitas vezes, demitidos após um curto período, o que se traduz em alta rotatividade profissional, um verdadeiro veneno em uma área na qual a continuidade é essencial.
A continuidade profissional está atrelada à formação sólida, que, por sua vez, demanda valorização dos maestros. No entanto, professores de escolas públicas ganham menos do que a média de todas as outras profissões com ensino superior no País. Em 2023, o rendimento médio mensal dos professores das redes públicas com ensino superior foi de R$ 4.942, enquanto o dos demais profissionais assalariados com o mesmo nível de escolaridade foi de R$ 5.747.
Tudo somado, os avanços ainda são muito limitados, enquanto os desafios seguem gigantescos. E quanto mais tempo se perde, maiores eles se tornam.