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O escárnio das emendas PIX

Nem mesmo o Portal da Transparência é capaz de identificar em que foi usado o dinheiro

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Por Notas & Informações
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O Portal da Transparência, o site do governo federal com acesso livre e que, ao menos em tese, serve de instrumento a qualquer cidadão para monitorar para onde e como o dinheiro público é utilizado, incorporou um ambiente específico para o acompanhamento das chamadas “emendas PIX”. O que a princípio parecia ser um bom sinal em direção à lisura dos gastos públicos revelou-se a comprovação cabal da opacidade em relação à aplicação de bilhões destinados por parlamentares a seus redutos eleitorais.

Como revelou a Coluna do Estadão, a ferramenta permitirá saber qual parlamentar indicou o recurso e a prefeitura ou Estado que o recebeu. Mas a finalidade para a qual se destina o dinheiro público continuará um mistério. E não é pouco dinheiro: para este ano, um terço do que senadores e deputados programaram em emendas individuais, ou R$ 8,2 bilhões, é referente à modalidade “transferência especial”, apelidada de “PIX” pela facilidade com que sai da conta do erário e entra na conta do beneficiário.

No caso, o apelido nada tem de meritório. Ao contrário. Se nem o Portal da Transparência é capaz de esclarecer em que é aplicado o dinheiro que os parlamentares usam para irrigar suas bases, o descontrole está consagrado; e a incompetência de fiscalizar, sacramentada. Largamente utilizadas nos últimos quatro anos a pretexto de “desburocratizar” o processo de financiamento público, as “emendas PIX” na verdade são o estado da arte da desfaçatez.

Nada tem de desburocratizante uma medida desenhada para driblar filtros criados justamente para zelar pelo uso de recursos públicos, depois dos diversos escândalos de corrupção e desvios. Desde as fraudes cometidas pelos infames “anões do Orçamento”, no fim dos anos 1980, são inúmeros os exemplos de uso indevido de verbas públicas.

Mas não é apenas a potencial corrupção que torna a transparência obrigatória. É preciso que os cidadãos sejam capazes de avaliar se a obra para a qual se destinam os recursos escassos é realmente necessária e se está de acordo com as reais prioridades do País – e não com os interesses paroquiais dos caciques de Brasília e seus apadrinhados regionais.

Com as “emendas PIX”, o dinheiro chega às prefeituras e administrações estaduais antes mesmo das licitações, ou até mesmo sem que existam quaisquer projetos ou programas de política pública, o que é claramente um absurdo. A prestação de contas, bem como a elaboração de métricas para saber se o dinheiro foi de fato bem aplicado, não é um favor, mas uma obrigação.

A transparência é o principal obstáculo à corrupção. Já a discricionariedade, caso das emendas parlamentares, costuma ser uma espécie de convite ao desvio. Portanto, se é concedido o poder de decidir para onde serão encaminhados os recursos, quanto mais clareza houver no procedimento, menores serão as chances de desvio.

Por razões evidentes, as “emendas PIX” são um estrondoso sucesso. No ano eleitoral de 2020, elas somaram R$ 621 milhões. Neste ano, que também é de eleição, o valor é 13 vezes maior. E nada faz supor que vai parar por aí.