O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não poderia ter deixado mais claro que sua antipatia pela instalação de câmeras no fardamento da Polícia Militar (PM) de São Paulo parte de uma incompreensão primordial dessa bem-sucedida política de segurança. Na quarta-feira passada, durante o ato de assinatura do contrato do Trem Intercidades, em Campinas, Tarcísio afirmou que quer “uma população segura, e não um policial vigiado”, como se estivesse tratando de noções antitéticas. Na verdade, eis o erro fundamental, uma coisa e outra são conexas.
Mais bem dito: para o governador do Estado, como pode ser facilmente depreendido de sua fala cristalina, tão mais seguros estarão os cidadãos paulistas quanto menos houver fiscalização da atividade policial. Ora, o olhar vigilante da sociedade sobre todo e qualquer servidor investido do múnus público é um princípio básico da cidadania. É desse tipo de vigilância, afinal, que se está tratando, e não de um escrutínio da força estatal por quem não tem legitimidade para exercê-lo – como os criminosos, por óbvio.
Ademais, a devida fiscalização dos agentes treinados e armados pelo Estado para exercer o monopólio da violência em seu nome, seja por meio das corregedorias das corporações, seja pelo Ministério Público e, por fim, pelo Poder Judiciário, é um atributo comezinho de qualquer governo inspirado por princípios democráticos e orientado genuinamente por valores universais, como o respeito aos direitos humanos.
A violência praticada por policiais no exercício de suas atribuições é um meio legítimo de imposição da ordem pública desde que circunscrita às balizas das leis e da Constituição. Nesse sentido, as câmeras corporais, como já está sobejamente demonstrado, não apenas protegem os cidadãos – inclusive os criminosos – do emprego de força abusiva por agentes do Estado, como serve de robusto meio de prova para proteção jurídica dos próprios policiais.
Portanto, ao submeter a segurança da população paulista à ideia segundo a qual os policiais não devem ser “vigiados”, Tarcísio ignora um princípio elementar da cidadania e, como se isso não bastasse, ainda flerta com a banda truculenta das forças sob seu comando. Como parece razoável supor para qualquer cidadão sensato, só quem tem a ganhar com o fim do programa de câmeras na PM ou com o enfraquecimento dessa política pública de resultados comprovadamente satisfatórios são os maus policiais, que preferem operar nas sombras, ao abrigo de qualquer investigação de suas ações em serviço.
Como é notório, desde o início do governo de Tarcísio de Freitas houve uma perceptível deterioração do espírito, digamos assim, orientador da PM. Por muitos anos conhecida como a mais bem preparada e equipada força policial do País, contribuindo, ao lado da Polícia Civil, para a redução progressiva dos indicadores de violência no Estado, a PM se notabilizou nos últimos dois anos por uma inflexão, vale dizer, pelo aumento das mortes causadas por intervenção policial e da truculência de suas intervenções.
Aí estão, entre outros exemplos estarrecedores, os casos de repressão violenta aos protestos de estudantes na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – contra a aprovação do projeto de lei que instituiu as escolas cívico-militares – e na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo de São Francisco, durante a posse do novo procurador-geral de Justiça do Estado. Um policial chegou a rir enquanto batia nos jovens. São práticas inaceitáveis para um governo que se diz democrático.
A seguir por esse mau caminho, Tarcísio levará a população a sentir medo sempre que vir uma patrulha policial. O combate ao crime não implica, necessariamente, força bruta, por mais que isso excite eleitores explorados em seu justo sentimento de impotência diante de casos de violência. O bom combate deriva do aprimoramento técnico contínuo das polícias, da difusão de noções de cidadania, da repressão aos maus policiais e da valorização dos que atuam dentro da lei. Não é pedir muito.