Por décadas uma crise nas universidades, especialmente nas norte-americanas, estava sendo fabricada. A academia deve ser o espaço por excelência do pluralismo ideológico e do livre debate. Mas, ao contrário, elas são hoje os espaços mais dogmáticos e intolerantes na sociedade. Foi necessário que a guerra no Oriente Médio despertasse humores antissemitas para que se produzisse uma reação química que mandou a tampa da caixa de Pandora pelos ares.
Há meses os estudantes pró-Hamas mobilizam protestos agressivos nos campi americanos. A Primeira Emenda da Constituição estabelece uma liberdade de expressão quase absoluta. Exceto em casos excepcionais, como a incitação direta à violência, mesmo manifestações neonazistas são toleradas. Instituições privadas, como as universidades, podem ter seus próprios códigos de conduta. E esses códigos se tornaram não só mais restritivos, como, por pressão dos contingentes progressistas ultramajoritários, mais sectários.
Na década de 90, segundo um levantamento da Universidade de Leiden, os quadros docentes nos EUA se autodeclaravam 40% progressistas, 40% moderados e 20% conservadores. Desde então, não houve grandes variações nas preferências partidárias da população, mas nos campi os progressistas cresceram para 60%, e os moderados e conservadores diminuíram para 30% e 10%, respectivamente. Nas universidades de elite a desproporção é maior. Em Harvard, por exemplo, 75% se dizem progressistas e só 3% conservadores. Nos departamentos de humanas, a assimetria é maior.
Segundo a Fundação para os Direitos Individuais e Expressão (Fire, na sigla em inglês), as universidades de elite estão entre as mais intolerantes. Mais da metade dos estudantes das cinco universidades da Ivy League acredita que às vezes é aceitável impedir seus pares de participar de uma palestra controversa. Só 70% concordam que “nunca é aceitável” usar violência para impedir alguém de falar.
Códigos que punem “microagressões” e “discursos de ódio” são empregados há anos por ativistas para filtrar admissões de alunos e professores e conformá-los à ortodoxia progressista. Agora que estão violando não só esses códigos, mas os limites constitucionais à liberdade de expressão, esses ativistas se dizem perseguidos e tolhidos em suas liberdades. Mas ninguém é livre para ameaçar, intimidar e tolher a liberdade dos outros.
Pelas regras da Universidade Columbia, por exemplo, “todo membro da comunidade (...) tem o direito de organizar protestos, piquetes, circular petições e divulgar ideias”, mesmo que “sejam consideradas ofensivas, imorais, desrespeitosas ou até perigosas”. Mas o Código diz que essas regras são violadas quando uma pessoa “se engaja em uma conduta que põe outra em perigo físico” ou “usa palavras que ameaçam dano físico em uma situação em que há um risco claro e imediato deste dano”.
Em campi como o de Columbia, judeus não só são intimidados com cantos que pregam o extermínio dos judeus de Israel, como são impedidos de acessar e circular em certos espaços. Os manifestantes perturbam aulas e impedem o acesso a alguns prédios. E não estão apenas se manifestando, mas exigindo que as universidades rejeitem doações de empresas e cidadãos israelenses; encerrem parcerias acadêmicas com instituições israelenses; e condenem as ações de Israel na guerra.
A direção de Columbia, por exemplo, ofereceu revisar suas práticas de investimentos e parcerias e discutir a liberdade acadêmica. Mas, assim como o Hamas, os militantes não aceitam soluções de compromisso. A polícia foi chamada para dispersar os acampamentos que impedem o curso das aulas, a livre circulação no câmpus e o sossego dos judeus. Mas os ativistas que outrora diziam que palavras são violência, agora dizem que violência é “expressão”.
Tudo indica que o sectarismo universitário chegou a um ponto de inflexão. Mesmo parlamentares democratas estão criticando os protestos e exigindo dos reitores que restabeleçam a ordem. Mas esse é, na melhor das hipóteses, só o primeiro passo de uma longa reforma há muito necessária para despartidarizar as universidades.