No início de agosto, o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região manteve a prisão preventiva de Sérgio Cabral, em processo decorrente da Operação Eficiência, um dos desdobramentos da Lava Jato. Na ação, o ex-governador do Rio de Janeiro é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
A situação processual penal de Sérgio Cabral tem características superlativas. Condenado em primeira instância em duas dezenas de processos, o ex-governador carioca recebeu penas que totalizam mais de 392 anos de prisão. No entanto, mais do que um paradigma, o caso de Sérgio Cabral é uma exceção. Ele é hoje o único político preso pela Lava Jato. Todos os demais políticos envolvidos em alguma fase da Lava Jato estão soltos.
A situação é estranha. Depois de tantas fases, escândalos, denúncias e delações, o único político preso na Lava Jato é o ex-governador do Rio de Janeiro. Fazer essa advertência não significa pedir punições generalizadas a políticos ou pleitear uma aplicação da lei penal alheia às garantias individuais.
Trata-se de reconhecer que, apesar de todas as interpretações extensivas por parte do Ministério Público e muitas vezes da própria Justiça, a Lava Jato foi incapaz de fazer com que políticos que cometeram crimes cumprissem suas penas atrás das grades. Sérgio Cabral é rigorosamente uma exceção que confirma a regra.
Sob o pretexto de combater a impunidade, a Lava Jato abandonou várias vezes o caminho escorreito do processo penal, com suas estritas garantias. Tolerou-se o que não se devia tolerar sob o argumento de que era preciso um pouco de flexibilidade para levar adiante a empreitada de passar o Brasil a limpo. O discurso era de que, diante de um objetivo tão importante, não se podia pôr empecilhos ao trabalho do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Agora, tem-se a dimensão do resultado da Lava Jato em relação aos políticos: Sérgio Cabral, apenas ele, está preso.
Entre outros aspectos, essa inusitada situação – apenas um único político preso na Lava Jato – deve suscitar uma reflexão sobre os custos e os benefícios para a sociedade do modo como o Ministério Público utilizou a delação.
A colaboração premiada é um instrumento negocial com o qual, em troca de uma pena mais leve para o colaborador – a sociedade abre mão de puni-lo com todo o rigor –, se consiga desvendar e punir outros e mais graves crimes. Pela própria natureza negocial da delação, não existe uma fórmula mágica capaz de identificar perfeitamente quando se deve ou não utilizá-la.
Por isso, a reflexão sobre o resultado das delações na Lava Jato, com o consequente aprendizado, é tão importante. Ainda que não se tenha uma regra pronta, existe um critério fundamental. A colaboração premiada não deve ser meio para ampliar a impunidade, e sim para aumentar a eficiência da persecução criminal.
Após as muitas descobertas sobre relações espúrias entre estatais, empreiteiras e políticos, é no mínimo constrangedor constatar que o único político que continua preso seja Sérgio Cabral. Não parece que a sociedade, em seu legítimo interesse de que os crimes não fiquem impunes, tenha sido beneficiada com a realização de delações à baciada, tal como ocorreu na Lava Jato. A relação de troca existente na colaboração (indulgência em relação a algumas penas versus persecução e punição de outros e mais graves crimes) não se mostrou especialmente vantajosa para a sociedade.
Nos Estados Unidos, a promotoria está sujeita ao controle popular. Seus cargos são, em geral, preenchidos por eleição. Depois de um resultado assim pífio, dificilmente os promotores seriam reconduzidos a suas funções. Eles têm o poder de negociar penas via delação, mas respondem por isso.
No Brasil, o Ministério Público ganhou poderes com a delação, mas suas responsabilidades continuaram as mesmas. Tal desequilíbrio é mais um efeito da importação, sem os devidos cuidados, de um instituto de outro sistema jurídico, com pressupostos e regras diferentes dos daqui. Não surpreende que os resultados sejam frustrantes.