Não há movimento do deputado Arthur Lira (PP-AL) nos últimos meses que possa ser interpretado sem considerar que o maior objetivo do presidente da Câmara é eleger seu sucessor. O sr. Lira dorme e acorda elucubrando maneiras de evitar o ocaso político ao qual foram relegados quase todos os seus antecessores no cargo. Viabilizar a vitória de um preposto é, portanto, um passo fundamental da estratégia do parlamentar alagoano para seguir politicamente relevante após baixar à planície, como se costuma dizer em Brasília.
É com essa lente que devem ser vistos os recentes avanços e recuos do presidente da Câmara no controle da pauta legislativa. E, principalmente, as promessas e acordos que Lira tem firmado sem nenhum compromisso com o melhor interesse público.
Para começar, já está precificado nessa barganha que o candidato à sucessão de Lira que quiser ser apoiado pelo PL – partido do notório Valdemar Costa Neto e dono da maior bancada da Câmara, com 96 deputados – deverá, necessariamente, se comprometer com o projeto de lei (PL) que concede anistia aos golpistas do 8 de Janeiro. Como já sublinhamos nesta página, não há vivalma no Congresso genuinamente preocupada com a desdita dos condenados pela intentona. O que se busca é anistiar Jair Bolsonaro, mentor intelectual daquela horda de liberticidas. Sem disfarçar que Lira já teria se curvado ao peso da sigla e à pressão pela anistia, Bolsonaro verbalizou que apoiará “o nome do Lira” para a presidência da Câmara.
Outra oferta do sr. Arthur Lira no feirão que ele montou na Câmara foi a aprovação do requerimento de urgência para a tramitação do Projeto de Lei 1904/24, que equipara aborto e homicídio simples. Pautar a urgência de um projeto que, como era óbvio, nada tinha de urgente, foi um agrado de Lira não só ao PL, mas também a um dos segmentos evangélicos na Casa. O autor do projeto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), não só é um bolsonarista de carteirinha, como até poucos dias atrás era o líder da bancada evangélica, agora sob a coordenação do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM).
A reação da sociedade civil contra o PL 1904, tratado sem o devido debate democrático, foi tão forte que provocou um racha até mesmo entre os defensores do projeto. A Lira não restou alternativa a não ser inventar uma comissão para discutir a matéria e “reafirmar a importância do amplo debate”. Haja caradura. Ora, esse mesmo debate não tinha importância alguma quando o requerimento de urgência foi aprovado a toque de caixa. Tudo leva a crer que, diante da repercussão negativa, a criação dessa tal comissão foi a forma que Lira encontrou para dar um enterro digno para um projeto que parece destinado ao arquivo.
Chama a atenção, ainda, o recuo do presidente da Câmara ao retirar da pauta de votação do plenário a indecente Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que perdoa as dívidas impostas aos partidos pela Justiça Eleitoral. Consta que, sem fechar um acordo com o Senado, Lira teria recuado para evitar que o desgaste pelo avanço de uma PEC impopular recaísse apenas sobre a Câmara. Seja como for, uma coisa é certa: a chamada PEC da Anistia tem o apoio da esmagadora maioria dos congressistas. Se não a votaram agora, foi apenas por um juízo de conveniência, não de valor.
Nesse mesmo sentido, Lira acenou a todos os deputados, independentemente de suas colorações partidárias, ao pautar e aprovar o requerimento de urgência para o PL 4372/16, do ex-deputado Wadih Damous (PT-RJ). Como uma espécie de líder sindical da categoria, o presidente da Câmara resgatou o projeto que, na prática, acaba com os acordos de colaboração premiada, muito temidos em Brasília, ao impedir a homologação judicial das delações firmadas por indivíduos presos.
A despeito desses recuos, não cabe ingenuidade. A mobilização social pode ter contido o avanço dessas matérias. No entanto, para Lira, a aprovação dos projetos é o que menos importa. A ele interessa muito mais sinalizar aos pares que está topando qualquer negócio para garantir o seu futuro político.