Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O festim dos títulos incentivados

Fim do uso indevido desses papéis prova que solução era fácil e poderia ter vindo antes

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

Fazer uso de brechas legais faz parte do jogo. Não é crime encontrar meios de caminhar no limite da lei sem, no entanto, infringi-la. Cabe ao formulador evitar que a estrutura legal apresente fissuras que permitam esses desvios. Dito isso, pode ser considerado previsível e até natural o movimento constatado nos últimos anos no mercado de títulos de renda fixa. Numa ação crescente, incentivos criados para financiar o setor imobiliário e o agronegócio acabaram sendo usados por diversos outros segmentos, num completo desvirtuamento da ideia original.

Mas, ora, seria muita ingenuidade não reconhecer que parte considerável dos ganhos dos investimentos financeiros consiste justamente na capacidade de achar um caminho legal de potencializar os rendimentos. Para aumentar a participação privada no financiamento a projetos considerados prioritários, o governo concedeu isenção de Imposto de Renda a investidores em títulos específicos. Vieram LCI, LCA, CRI, CRA e LIG. Todos os “is” e “as” das siglas são referentes a imobiliário e agrícola, os setores que se pretendia alcançar.

Não demorou para que a engenharia comum no mercado encontrasse um meio de vincular a emissão de debêntures a esses títulos. O que demorou foi a reação do governo. Foram, ao menos, oito anos de crescente uso da brecha, já um enorme buraco, até que o Conselho Monetário Nacional (CMN) enfim instituísse, na primeira reunião deste ano, um novo regramento para evitar o uso indiscriminado dos títulos.

O volume da movimentação financeira não deixa dúvidas sobre o custo dessa demora. Somente no ano passado, 55% das emissões lastreadas em títulos agrícolas ou imobiliários não passariam pelo novo crivo do CMN, o que corresponde a R$ 46 bilhões, como informou a Coluna do Broadcast, envolvendo uma gama de segmentos tão distintos quanto varejo e saúde. Uma distorção que, por certo, há muito já havia sido detectada pela autoridade monetária e pela equipe econômica. Prova disso foram as inúmeras tentativas de retirar o incentivo tributário.

Seria uma visão simplista demais rotular de vilões os segmentos que se beneficiaram dessas emissões para se capitalizar. O que ocorreu foi um caso clássico de aproveitamento de uma má formulação. E a facilidade da solução encontrada faz questionar qual a razão para a demora em aplicá-la, se nem mesmo houve necessidade de tramitação de nova lei no Congresso. Uma mera decisão do CMN restabeleceu a normalidade ao incentivo.

Da mesma forma como a atuação do órgão superior do sistema financeiro pôs fim, ainda que tardiamente, ao festim do mercado de renda fixa, espera-se que atitudes reguladoras desse tipo passem a ser rotineiras – e não apenas no mercado financeiro. Afinal, mecanismos de incentivo são necessários e, em alguns casos, imprescindíveis para sustentar o crescimento econômico, a qualidade de renda e a redução da desigualdade no País. Mas também são necessários e imprescindíveis o monitoramento e a fiscalização para garantir que sua finalidade não seja comprometida.