A criação do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) foi finalmente aprovada pelas Assembleias Legislativas de cada um dos sete Estados que compõem as regiões. Embora só agora tenha passado formalmente a existir, o consórcio já havia realizado oito reuniões desde 2019 e acaba de fazer a nona. As discussões resultaram na Carta de São Paulo, documento que expôs o tamanho do desafio que o Cosud terá de superar na busca de consensos possíveis entre tão diferentes unidades da Federação.
Em defesa do consórcio, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, pregou, em entrevista ao Estadão em agosto passado, que o Sul e o Sudeste precisavam ter mais protagonismo nas discussões que ocorrem em Brasília. Ele, de fato, tinha um bom ponto. Embora representem 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e abriguem 56% da população brasileira, as duas regiões têm sido sub-representadas no âmbito da Câmara e do Senado.
O Cosud, segundo Zema, seria uma forma de melhor resguardar os interesses desses Estados, a exemplo dos bem-sucedidos consórcios do Nordeste e da Amazônia Legal. A própria Constituição, em seu artigo 241, garante essa forma de atuação conjunta. O momento para criar o consórcio não poderia ser mais adequado. O Congresso discute a reforma tributária sobre o consumo, cujas mudanças afetarão diretamente as receitas e os recursos dos Estados para atrair investimentos. Mas o resultado da reunião foi bem mais modesto do que se poderia imaginar.
A meta mais concreta da Carta de São Paulo foi o compromisso de plantio de 100 milhões de mudas nativas até 2026. O Tratado da Mata Atlântica prevê a restauração de 90 mil hectares, a criação de corredores ecológicos terrestres e costeiro-marinhos e a construção de um plano integrado para o enfrentamento de eventos extremos relacionados a chuvas e estiagens, bem como um protocolo de políticas de prevenção e gestão de risco, monitoramento, resposta e atendimento emergencial em situações de crise.
É o que se extrai de melhor do documento. Genérica e inespecífica, a Carta de São Paulo menciona a necessidade de garantir a sustentabilidade fiscal dos Estados e de sugerir aperfeiçoamentos à reforma tributária. Na área de segurança pública, os governadores manifestaram apoio a uma “reforma do sistema de justiça criminal brasileiro” para aumentar “o custo do crime” no País – como se penas maiores e mais rígidas fossem a solução de um problema que assola todo o País.
Era de esperar que saísse algo menos superficial sobre tão relevantes temas. Mas não é exagero afirmar que a baixa ambição do documento tem relação com a visão que Zema externou na entrevista, ao comparar os Estados do Norte e do Nordeste a “vaquinhas que produzem pouco”, atraindo imediata antipatia para um consórcio que teria muito a contribuir com o País.
O “ato falho” de Zema remete ao período em que o consórcio começou a se reunir, em 2019. Segundo o governador mineiro, a pretensão eleitoral do ex-governador de São Paulo João Dória “atrapalhava” o consórcio e deixava os outros governadores “com um pé atrás”. É sintomático, portanto, que ele não tenha percebido que o problema de origem do grupo permanece exatamente o mesmo.
Dos sete governadores, ao menos quatro se colocam como presidenciáveis – Ratinho Junior (PR), Eduardo Leite (RS), Tarcísio de Freitas (SP) e o próprio Zema. Fazer do Cosud um verdadeiro consórcio requer dessas lideranças que deixem de lado suas pretensões eleitorais individuais em favor da defesa dos interesses regionais e coletivos.
É óbvio que há pobreza no Sul e no Sudeste, populações a serem assistidas e localidades que precisam de apoio, a exemplo de municípios do Nordeste e do Norte do País. É precisamente isso que une os consórcios do Nordeste e da Amazônia Legal e que tem garantido o sucesso da maioria de suas demandas no Legislativo: o claro propósito de trabalhar para reduzir desigualdades, um objetivo expresso da Constituição de 1988. É nela, portanto, que o Cosud deveria se inspirar.