A passividade do procurador-geral da República, Augusto Aras, não tem incomodado apenas cidadãos que pouco sabem a respeito dos deveres constitucionais do chefe do Ministério Público Federal (MPF).
Esta atitude imperturbável de Aras diante de declarações, ações e omissões potencialmente criminosas do presidente Jair Bolsonaro, que em alguns momentos chega a flertar com a subserviência, também tem motivado reações de seus colegas de parquet e até mesmo da alta cúpula do Poder Judiciário.
Ainda está fresca na memória a admoestação pública feita pela ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), diante da inação de Aras ao ser confrontado com os indícios de prevaricação de Bolsonaro no caso da compra da vacina indiana Covaxin. A ministra relembrou ao procurador-geral que “no desenho das atribuições do Ministério Público não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
Mais recentemente, cinco membros do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) enviaram uma representação a Aras em que exortam o procurador-geral a avaliar se o presidente da República cometeu crime de abuso de poder ao disseminar dúvidas em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro. “(O discurso do presidente) tem traços evidenciadores de grave e concreta ameaça ao principal instrumento de concretização de uma democracia”, diz trecho do documento, subscrito pelos subprocuradores Nicolao Dino, José Adonis Callou, Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e José Elaeres Teixeira.
Bolsonaro tem chantageado a Nação, dizendo claramente que, se o Congresso não aprovar a volta do voto impresso – como tudo indica que não aprovará –, o País corre o risco de “não ter eleição no ano que vem”, e, caso tenha, ele não só não aceitará o resultado das urnas, como mobilizará seus camisas pardas para contestar a higidez do pleito.
As reiteradas ameaças de Bolsonaro, indignas do cargo que ele ocupa, podem configurar mais do que crime de responsabilidade – o que já seria razão bastante para apeá-lo da Presidência. Podem ser crimes comuns, como indica a representação assinada pelos subprocuradores-gerais. Augusto Aras não pode simplesmente ser um “espectador” das maiores agressões que o Estado Democrático de Direito tem sofrido.
Há poucos dias, nada menos do que oito ex-procuradores-gerais da República defenderam a segurança do sistema eletrônico de votação no País – um modelo para o mundo – e afirmaram que “insinuações contra o sistema devem ser prontamente repelidas”. Em nota conjunta, intitulada Em defesa da verdade e do sistema eleitoral brasileiro, os ex-procuradores-gerais Raquel Dodge, Roberto Gurgel, Cláudio Fonteles, Sepúlveda Pertence, Rodrigo Janot, Antônio Fernando de Souza, Aristides Junqueira e Inocêncio Coelho afirmaram que “jamais houve o mais mínimo indício comprovado de fraudes nas urnas”. Tivesse havido, prosseguem, “o Ministério Público Eleitoral e a Justiça Eleitoral teriam atuado prontamente, coerentes com a sua história de enfrentamento de qualquer ameaça à lisura dos pleitos”.
A representação subscrita pelos membros do CSMPF tem o mérito de ressaltar o caráter preventivo da legislação eleitoral, para evitar a perpetração de condutas que ponham em perigo a segurança e, sobretudo, a regularidade das eleições. A Constituição é de uma clareza solar ao determinar que incumbe ao Ministério Público, entre outras atribuições, a defesa da ordem jurídica e do regime democrático. Ora, são precisamente estes os alvos de Jair Messias Bolsonaro quando o presidente da República ameaça a realização das eleições de 2022 no Brasil.
Muito tem sido especulado sobre as razões de fundo que têm levado Augusto Aras a adotar uma atitude passiva no que concerne aos atos do governo federal, em especial de Bolsonaro. Pouco importam suas motivações. Fato é que, se o procurador-geral deixar de agir diante das flagrantes ilegalidades cometidas pelo presidente da República, ferirá de morte a letra da Constituição e, assim, aviltará o cargo que ocupa.