O governo terá de arrecadar R$ 162,4 bilhões a mais para cumprir a ambiciosa meta de zerar o déficit primário no ano que vem. A projeção não é de especialistas, mas da própria Secretaria do Tesouro Nacional, que divulgou a versão mais recente do Relatório de Projeções Fiscais. O cenário apresentado pelos técnicos resume o tamanho do desafio que o governo Lula da Silva terá se quiser realmente cumprir os objetivos definidos por seu próprio arcabouço fiscal, o que requer rever gastos e não contar com receitas que caiam do céu.
Os indicadores da última década confirmam a existência de um déficit consistente nas contas públicas desde 2014, interrompido apenas pelo efêmero superávit do ano passado. Entre 2013 e 2022, a receita corrente líquida, influenciada pelo desempenho da economia, teve um comportamento errático, enquanto as despesas tiveram não apenas um crescimento real, mas um avanço contínuo.
A divulgação do relatório traz um pouco de realidade para o cenário macroeconômico, marcado por boas notícias nas últimas semanas. Depois de meses de inflação elevada, o País finalmente registrou uma deflação de 0,08% no mês de junho. Ainda que pontual, o resultado animou economistas e já há quem preveja o IPCA bem mais próximo do teto da meta no fim deste ano. Puxado, sobretudo, pelo agronegócio, o Produto Interno Bruto cresceu 1,9% no primeiro trimestre, elevando as estimativas de crescimento da economia do mercado para 2,19%, segundo o mais recente Boletim Focus, e 2%, segundo o Banco Central.
A aprovação da reforma tributária pela Câmara, por sua vez, trouxe otimismo em relação ao futuro. Embora não tenha efeitos diretos ou imediatos e ainda precise passar pelo crivo do Senado, a perspectiva de simplificação do sistema tributário delineou um cenário de otimismo, em que se antevê um ambiente mais favorável aos negócios, à produção e aos investimentos. O amplo apoio dos deputados à proposta animou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a cogitar a antecipação do envio da segunda etapa da reforma, sobre renda, ao Congresso.
Nesse sentido, o relatório do Tesouro Nacional traz um importante lembrete ao governo: ainda há muito a ser feito na área fiscal, e desde já. O arcabouço já havia sido criticado por uma certa frouxidão e por depender majoritariamente da recuperação de receitas. Mas, ainda que todas as medidas anunciadas pelo Ministério da Fazenda alcancem os resultados almejados, será necessário um esforço ainda maior – e permanente – por parte do governo para atingir as metas fiscais nos próximos anos.
Não há escolha fácil. O contingenciamento de despesas discricionárias foi limitado pelo Congresso, e há muitos gastos já contratados para os próximos anos, como o passivo de precatórios, o avanço das emendas parlamentares, a política de valorização do salário mínimo e a retomada dos mínimos constitucionais para as áreas de saúde e educação, de 15% da receita corrente líquida e de 18% da receita líquida de impostos, respectivamente.
Saúde e educação, em especial, são áreas sensíveis para o governo e para o presidente Lula da Silva, mas a equipe econômica terá de enfrentar o problema da vinculação desses gastos em algum momento. O ideal seria que fosse o quanto antes – se não pelo imperativo da responsabilidade fiscal, para impedir que o espaço decisório do governo na alocação de recursos seja completamente eliminado e que o arcabouço seja deturpado.
“O elevado nível de vinculações tende a extinguir a discricionariedade alocativa, pois reduz o volume de recursos orçamentários livres que seriam essenciais para implementar projetos governamentais prioritários, que atendam às necessidades da população em cada momento do tempo. Assim, em regra, não se recomenda a vinculação de recursos. No entanto, para o caso das vinculações existentes, caso decida-se por revisitá-las, é importante que a vinculação favoreça a previsibilidade e a execução das políticas que se pretende priorizar”, diz o relatório. A recomendação do Tesouro, clara como o dia, tem o apoio deste jornal.