Pela enésima vez, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou por seis meses o chamado inquérito das fake news, aberto de ofício em 14 de março de 2019 pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, a fim de apurar “fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”.
À época, Dias Toffoli afirmou, com razão, que “não existe Estado Democrático de Direito nem democracia sem um Judiciário independente e sem uma imprensa livre”. De modo que ataques às instituições republicanas e ao jornalismo profissional como os perpetrados pelo chamado “gabinete do ódio” – gangue instalada no seio do governo Jair Bolsonaro para disseminar desinformação, como revelou o Estadão – são ataques contra o próprio regime das liberdades. Porém, transcorridos mais de dois mil dias, é preciso reafirmar que não há lugar no mundo democrático para uma investigação policial tão longeva e, ademais, coberta pelo manto de um sigilo inexplicável.
A justificativa formal apresentada por Moraes para conceder mais essa extensão de prazo à Polícia Federal (PF) é a necessidade de colher o depoimento de mais 20 pessoas, concluir diligências pendentes e analisar informações recebidas pelas autoridades policiais por meio da quebra de sigilos fiscal e bancário dos investigados. Ora, se ao longo de mais de cinco anos essas diligências elementares não foram realizadas, está-se diante, é forçoso dizer, de incompetência dos investigadores, no cenário mais benevolente, ou de manipulação política de uma investigação policial que haveria de ser técnica, no pior.
Até pouco tempo atrás, um suposto incômodo de alguns ministros do STF com o colega Alexandre de Moraes pela longa duração do “inquérito do fim do mundo” – como o ex-ministro Marco Aurélio Mello classificou o inquérito das fake news por seu prolongamento no tempo e falta de objeto claro – era reportado como uma conversa de bastidor na Corte. Mas tal é o absurdo da situação hoje que até o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, já verbalizou que a conclusão do inquérito das fake news “está demorando”, ainda que tenha ponderado que a indefinição sobre o término se dá não pela condução das investigações, mas sim pela “multiplicação” de fatos a serem investigados.
Ora, é evidente que em um inquérito tão aberto como esse tudo haverá de caber, a depender da disposição e da criatividade de quem o conduz. Basta dizer que uma investigação que começou, como foi dito, para apurar a disseminação de notícias falsas contra a Corte e seus ministros já levou à censura de órgãos de imprensa, como a revista Crusoé e o portal O Antagonista, e à instauração de outros inquéritos no âmbito do próprio Supremo, como o que apura a ação das chamadas “milícias digitais”, outra investigação ampla e que parece não ter data para acabar.
Este jornal foi um dos primeiros a reconhecer, no momento apropriado, que o inquérito das fake news, considerado plenamente constitucional pelo plenário do STF, cumpriu um valoroso papel na defesa da instituição e do jornalismo profissional. Graças a essa investigação, o Estado pôde avançar sobre o funcionamento de uma verdadeira organização criminosa operando desde o Palácio do Planalto para apagar a linha divisória entre fatos e mentiras – sem a qual não há debate público racional e, consequentemente, democracia digna do nome.
Mas aqueles tempos excepcionais já passaram, para o bem do País. Já é mais do que hora de encerrar esse inquérito, seja propondo o indiciamento dos indivíduos contra os quais se reuniram indícios de autoria e materialidade delitiva, seja arquivando as investigações contra quem nada se pôde provar. Se, ao fim e ao cabo, o objetivo maior do STF e da PF é salvaguardar o Estado Democrático de Direito no País, é isso o que deve ser feito, não apenas em nome da coerência, mas em respeito à legislação penal e à Constituição, que não admitem que o peso do aparato persecutório estatal paire indefinidamente sobre qualquer cidadão.