Uma vez mais o tema da liberdade de imprensa está no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte indeferiu o recurso de um jornal condenado por veicular entrevista que continha acusação infundada. E, como o caso teve repercussão geral reconhecida, os ministros podem em breve formular uma orientação para todo o Judiciário sobre o assunto – o que requer especial cuidado.
Em 1995, o Diário de Pernambuco publicou uma entrevista em que o delegado Wandenkolk Wanderley acusou o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto dos Guararapes, no Recife, em 1966. Zarattini Filho entrou com uma ação de indenização, alegando que a informação não era verdadeira – ele não foi indiciado ou acusado pelo ato criminoso – e que foi impedido de exercer o direito de resposta. No julgamento, o STF manteve a decisão condenando o jornal a pagar R$ 50 mil por danos morais.
A decisão do STF sobre o caso ilumina dois aspectos importantes sobre a liberdade de imprensa.
Ao contrário do que ocorre com as redes sociais – dentro do marco legal atual, elas são praticamente irresponsáveis pelo que difundem –, os veículos de imprensa são responsáveis juridicamente pelo conteúdo que publicam. Essa responsabilidade jurídica gera nos meios de comunicação um especial dever de cuidado com a checagem, a revisão e a eventual correção a respeito do que publicam. Isso é um enorme bem para o público. Um jornal não lava as mãos pelo que publica. Ele é responsável pelo conteúdo que sai em suas páginas, sejam impressas ou digitais – responsabilidade essa que propicia uma relação de confiança única com seus leitores.
Em segundo lugar, a decisão do STF joga luzes sobre o fato de que, num regime de liberdade de imprensa, a eventual responsabilização de um veículo de imprensa – no caso, a indenização pecuniária por danos morais – é sempre posterior. Nunca é censura. Nunca é uma atividade prévia à publicação. A proteção realizada pelo Judiciário em relação a outros bens jurídicos e direitos que possam estar envolvidos no caso em concreto – afinal, as liberdades de expressão e de imprensa não são absolutas – nunca significa impedir que o público tenha acesso ao que um jornal pretende publicar. É sempre uma responsabilização posterior, com base no que foi efetivamente publicado.
Estes dois aspectos – a responsabilidade jurídica dos veículos de imprensa e a responsabilização posterior por eventuais danos causados pelo conteúdo publicado – estão orientados precisamente a proteger a liberdade de imprensa. No Estado Democrático de Direito, a liberdade nunca é sinônimo de irresponsabilidade, como também nunca é mera fantasia de liberdade. Ela é real, envolve riscos, podendo eventualmente gerar danos, e, por isso, existe a possibilidade de posterior responsabilização. Ou seja, no estudo a respeito de possível orientação futura sobre o tema, o STF não pode perder de vista que o Direito vem precisamente proteger essa liberdade real – limitada sim, mas não fictícia.
No julgamento do recurso do Diário de Pernambuco, os ministros do STF não chegaram a um consenso sobre a tese a ser firmada como orientação geral para o Judiciário. Essa dificuldade é sintomática da complexidade do tema. Ele não somente envolve um fino equilíbrio entre vários e importantes bens jurídicos, mas afeta diretamente uma das condições de existência do próprio Estado Democrático de Direito: um ambiente de liberdade, em que as pessoas se sintam livres para expor e debater as ideias e em que a imprensa tenha condições de realizar livremente seu trabalho.
Mais do que firmar uma tese geral sobre o assunto sem o devido amadurecimento, o STF tem o dever de defender a Constituição e as liberdades constitucionais. Nesse sentido, talvez o melhor caminho seja justamente não formular uma orientação geral sobre o tema, que – a depender do seu teor – poderia tolher o trabalho jornalístico ou, ainda mais grave, levar o Judiciário a imiscuir-se na edição de um jornal. Os parâmetros são os da Constituição.