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O litígio da desoneração da folha

Governo cometeu erros em série desde início da tramitação da proposta, enquanto o Senado, mesmo pressionado pelo STF, demonstrou união e marcou posição em defesa da prorrogação

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Por Notas & Informações
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O Senado finalmente aprovou o projeto de lei que prorroga a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia e de pequenos e médios municípios de todo o País até 2027. O impasse durou meses, uma vez que o governo cobrava dos senadores que encontrassem formas de compensar a renúncia associada à proposta, estimada em R$ 25 bilhões.

Para a equipe econômica, as perdas teriam de ser ressarcidas com aumento de impostos, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para defender a ideia, apelou inclusive ao Supremo Tribunal Federal (STF), transformando a desoneração no bode na sala a impedir o cumprimento da meta fiscal. Mas o Senado ganhou tempo engambelando o governo e recusando, uma a uma, as alternativas apresentadas pelo ministro Fernando Haddad.

Inicialmente, o governo enviou uma medida provisória para limitar o uso de créditos de PIS e Cofins pelas empresas. Depois, defendeu um aumento de 1 ponto porcentual na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das empresas. Por fim, propôs elevar de 15% para 20% a cobrança do Imposto de Renda sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP), medida que só valeria a partir de 2025.

Ao fim e ao cabo, o líder do governo no Senado e relator do projeto, Jaques Wagner (PT-BA), teve de se contentar com as medidas paliativas que o Senado propunha desde o início das negociações, como a atualização de bens como imóveis na declaração do Imposto de Renda, a repatriação de ativos mantidos no exterior e a renegociação de multas e taxas aplicadas por agências reguladoras e já vencidas.

O governo não saiu completamente derrotado. Pela proposta, a União poderá restituir as perdas com recursos de depósitos judiciais retidos indevidamente pela Caixa, precatórios abandonados e recursos esquecidos em contas bancárias. Em conjunto, eles podem garantir R$ 20 bilhões extras. São receitas pontuais, que podem até salvar a meta fiscal deste ano, mas que não terão efeito estrutural sobre a arrecadação.

O Executivo também conseguiu incluir medidas no lado das despesas, como a revisão do cadastro do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência, e do seguro-defeso, destinado a pescadores artesanais. Nos últimos anos, eles têm crescido bem mais do que os técnicos estimavam, e, se houver indício de irregularidades ou fraudes, o benefício poderá ser bloqueado.

Para Haddad, foi um “avanço institucional”. O ministro não descartou a possibilidade de que medidas adicionais tenham de ser adotadas até dezembro caso as contas da desoneração não fechem, mas a hipótese parece improvável diante do calendário, das disputas municipais e da resistência do Congresso em elevar impostos.

O projeto foi aprovado de maneira simbólica, expressão do consenso que a proposta sempre reuniu na Casa. Ainda terá de passar pela Câmara, mas os deputados não devem impor dificuldades. Para as empresas e os municípios, nada muda neste ano. A reoneração da folha de pagamento será retomada de maneira gradual entre 2025 e 2027.

A exemplo do imbróglio das emendas parlamentares, a decisão do STF de suspender a desoneração deu alguma força para o governo reabrir as negociações com o Congresso sobre um assunto que já parecia encerrado.

O Executivo errou ao ignorar o avanço do projeto no ano passado, ao vetá-lo e ao propor a retomada da reoneração em meio ao recesso parlamentar. Equivocou-se também ao adotar uma estratégia litigante que gerou um enorme desgaste e foi coroada pela humilhante devolução de trechos de uma medida provisória pelo Congresso. Mesmo pressionado pelo STF, o Senado conseguiu marcar posição e reafirmou não estar disposto a acatar tudo que o governo quer.

Por ora, a equipe econômica respira aliviada e provavelmente conseguirá atingir a meta fiscal deste ano. Terá, no entanto, de vencer muitas batalhas para cumpri-la em 2025 e 2026, sabendo que terá de convencer um Congresso avesso a aumentos de impostos e ao fim de benefícios fiscais. Receitas extraordinárias e pentes-finos em benefícios sociais tampouco serão suficientes para dar conta da tarefa.