A América Latina precisa investir US$ 1,3 trilhão ao ano para mitigar os efeitos da mudança climática e transitar para as energias renováveis. A estimativa apresentada em recente evento em São Paulo por Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), expõe um esforço muito além da capacidade orçamentária do conjunto dos governos da região e a necessidade de atração do interesse do setor privado. Nada prosperará, entretanto, sem uma criteriosa escolha das nações latino-americanas do modelo de transição energética que lhe será mais adequado.
Investir o equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB) a cada ano na agenda climática é impensável para uma região desafiada pela desigualdade social, por gargalos ao desenvolvimento econômico, pelos altos níveis de corrupção e de insegurança pública e limitada produção científica e tecnológica. O BID, entretanto, antevê a agenda de transição energética como oportunidade para transformação econômica latino-americana, dado seu potencial de geração de energia limpa e de produção e exportação de bens verdes. A avaliação não difere da linha seguida pelas autoridades da área econômica do Brasil.
Não há dúvida de que o uso de fontes fósseis – petróleo, carvão e gás natural – é a principal causa do aquecimento global, o que lhes confere a condição de alvo central da agenda internacional de redução das emissões de gases do efeito estufa. Também é inegável que a indústria do petróleo continuará indispensável e que, possivelmente, terá papel relevante no financiamento da transição energética. Por fim, o decréscimo do uso de fontes fósseis e o aumento das fontes renováveis é uma realidade da qual nenhum país pode escapar.
Mas o trilho a ser seguido, tanto no Brasil como nos seus vizinhos e em outras partes do mundo, deve levar em conta de que as principais fontes consideradas “limpas” – hidrelétrica, eólica, solar, nuclear – não são exatamente limpas ou baratas em seu processo de produção. As pás de usinas que geram energia eólica, por exemplo, ainda não são recicláveis. Outras fontes, como o hidrogênio verde, demandam volumes consideráveis de água. De forma geral, os países ainda têm de considerar o custo e o impacto da infraestrutura necessária para qualquer uma dessas fontes alcançar os consumidores.
Soluções têm sido adotadas há anos pelos setores público e privado sem que haja avaliação mais precisa sobre o quanto efetivamente contribuirão ao longo do tempo para a redução das emissões de gases do efeito estufa e, em especial, sobre seus efeitos ambientais de longo prazo. Seguir as estrelas limpas do mercado internacional nem sempre é a melhor escolha para países com recursos escassos e vulnerabilidades ambientais e sociais, como os da América Latina. É preciso prudência redobrada.
Alguns embustes já são visíveis nesta etapa inicial da transição energética. A escalada de venda de carros elétricos nos Estados Unidos e na Europa pode ser vista como bem-vinda. No entanto, mais da metade da matriz energética desses países tem origem no petróleo e no carvão. Em outras palavras: a eletricidade que move os veículos por lá é consideravelmente suja. A busca por painéis fotovoltaicos residenciais tem sido acompanhada pelo acúmulo de unidades que chegaram ao fim de sua vida útil. Na melhor hipótese, são despejados em galpões privados. Na pior, em lixões.
Não é diferente com as usinas eólicas.
Certamente, empresas trabalham em soluções tecnológicas para os aparatos eólicos e solares receberem o selo verde e para o lixo ter destino ambientalmente aceitável. Há, entretanto, gargalos até o momento intransponíveis, como a limitação de recursos disponíveis nas instituições multilaterais para financiar a transição energética. Tal fato aumenta a pressão sobre governos e empresas por maior cuidado na escolha dos modelos alternativos à energia fóssil. A agenda inescapável da mudança climática exige decisões pragmáticas na América Latina.