Para tentar neutralizar as críticas dos especialistas em ensino básico e aprovar ainda neste semestre o projeto que introduz o ensino domiciliar, o chamado “homeschooling”, uma reivindicação de grupos religiosos que apoiaram Jair Bolsonaro no pleito de 2018, o Ministério da Educação (MEC) preparou um substitutivo para o projeto de lei que enviou ao Congresso em 2019.
O objetivo dessa iniciativa, segundo o ministro Milton Ribeiro, é evitar que a politização do tema leve o Legislativo a rejeitar o projeto. Todavia, quem politizou o tema foi o próprio governo. Desde o início, ele relegou para segundo plano a coordenação nacional das redes municipais e estaduais de ensino básico, que contam com mais de 47,3 milhões de estudantes – o equivalente a 80% das crianças e adolescentes do País. Segundo as autoridades educacionais, o “homescholling” favorecerá cerca de 35 mil famílias. Como as famílias brasileiras têm uma média de 1,7 filho, segundo o Relatório sobre a População Mundial, do Fundo de População das Nações Unidas, o número de crianças que poderiam migrar para o ensino domiciliar é insignificante, quando comparado ao total de alunos da educação básica.
A justificar sua insistência no “homeschooling”, o governo alega que ele preserva os valores morais e culturais da família, pois inibe o contato dos filhos com professores e colegas de escola. Na vulgata bolsonarista, o ensino doméstico também não expõe crianças a professores comunistas ou preocupados com questões sobre diversidade sexual. Em audiência pública na Câmara, o ministro Milton Ribeiro afirmou que o governo quer dar o “direito de escolha” aos pais e lembrou, para perplexidade dos presentes, que suas filhas foram alfabetizadas por sua sogra.
A discussão é antiga. Nos Estados Unidos e na França, o ensino doméstico é aceito, mas com a condição de que os alunos sejam submetidos a uma avaliação oficial anual. Já na Alemanha ele é considerado crime e os pais que não matricularem os filhos em escolas regulares são multados. No Brasil, a Constituição obriga as famílias a assegurar a educação primária dos filhos em escolas regulares. Por seu lado, o Código Penal estabelece que a família que “deixar, sem justa causa, de prover a instrução primária de filho em idade escolar” será punida com “detenção ou multa”.
A pressão do governo para que o Congresso aprove rapidamente o “homeschooling” é tanta que ele tentou negociar com os líderes partidários um acordo para que o projeto seja submetido diretamente ao plenário. O governo teme ser derrotado se o projeto tiver de ser votado pela Comissão de Educação da Câmara. Foi para afastar esse risco que Ribeiro apresentou o substitutivo, propondo que o aluno que estudar em casa seja submetido a avaliações trimestrais. Além disso, como o projeto original era vago, limitando-se a afirmar que “a educação domiciliar visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, o ministro incluiu no substitutivo a afirmação de que o “homeschooling” terá “como base os conteúdos curriculares mínimos referentes ao ano escolar”. O novo texto, porém, não cita a Base Nacional Comum Curricular, que estabelece as diretrizes do que os alunos devem aprender.
A exemplo do projeto original, o substitutivo vem sofrendo críticas contundentes. Para a presidente do Conselho Nacional de Educação, Maria Helena Guimarães de Castro, o isolamento social, durante a pandemia, mostrou que as famílias não estão preparadas para ensinar os filhos em casa. Para o presidente do Conselho de Secretários Estaduais de Educação, Vitor De Angelo, por trás da defesa do “homeschooling” há uma “tentativa de deslegitimação do papel da escola e dos profissionais da educação”.
Eles estão certos. Como milhões de crianças não têm acesso a um ensino básico público de qualidade e com equidade, não faz sentido priorizar um tema menor. Ao perder tempo com o “homeschooling”, o governo Bolsonaro não só dá outra demonstração de irresponsabilidade, mas, também, afronta as novas gerações.