Em 2022, a credibilidade das autocracias foi abalada. Não por uma razão moral – se fosse, já teria acontecido nas ocasiões em que as atrocidades das guerras de Vladimir Putin ou da opressão doméstica do Partido Comunista chinês vieram à tona –, mas sim de competência.
Na Turquia a inflação cresce a galope. A aventura de Putin na Ucrânia foi um fiasco militar que isolou ainda mais seu país. As loas do presidente Lula, há pouco mais de um ano, à eficiência do totalitarismo chinês no combate à pandemia envelheceram grotescamente mal, agora que as consequências da política de “covid zero” estão escancaradas: os longos e indiscriminados lockdowns provocaram desaceleração da economia e revolta popular; agora que estão sendo afrouxados, as perspectivas para uma população mal imunizada são de morticínio em massa. Ainda mais drásticos e duradouros serão os efeitos da interferência estatal na economia promovida pelo ditador Xi Jinping.
Em um artigo no China Leadership Monitor, o cientista político Minxin Pei apontou os objetivos de Xi: domínio pessoal; revitalização do partido-Estado leninista; e a expansão da influência global da China. “A mensagem central”, disse, a propósito do relatório apresentado por Xi ao 20.º Congresso do Partido, o ex-premiê da Austrália Kevin Rudd, “é que a definição da segurança nacional substituiu a economia como o foco central para o futuro.” Isso implica uma bateria de regulamentos, subsídios e intimidações cujos efeitos já se fazem sentir. Neste ano, segundo o Banco Mundial, pela primeira vez desde 1990 o crescimento chinês ficará abaixo do resto da Ásia.
Em tese, o “novo conceito de desenvolvimento” de Xi não difere dos esforços ocidentais de adequar a economia de mercado às novas demandas do Estado de Bem-Estar Social: enfrentar desigualdades, monopólios e a dívida, orientando a produção a indústrias verdes e de alta tecnologia para gerar inovações e se tornar tecnologicamente autossuficiente. Na prática, as condições para esse crescimento sustentável – um sistema financeiro apto a capitalizar as partes mais produtivas da economia, empresas sem medo de interferências arbitrárias e capital humano proficiente em novas tecnologias – estão sendo dilapidadas pelas obsessões político-ideológicas do Partido.
O Departamento de Pesquisa Econômica dos EUA coletou evidências para responder às seguintes questões: se a política de subsídios de Pequim era orientada às empresas mais produtivas ou se estava estimulando empresas a se tornarem mais produtivas. Em ambos os casos a resposta foi “não”. Ao contrário, os subsídios favoreceram grupos de interesse político ou indústrias decadentes.
O Centro para Pesquisa Econômica do Japão, um think tank, projetou que em 2030 o crescimento do PIB chinês cairá para 2%. “O trabalho, o capital e o Fator Total de Produtividade serão adversamente afetados por um aperto nas restrições à Tecnologia da Informação para as empresas, preocupações crescentes sobre a situação de Taiwan e a continuação de uma política moderada de covid zero.”
A confiança dos investidores para investir e a dos consumidores para consumir dependem de políticas econômicas que forneçam segurança e flexibilidade. As democracias buscam esses objetivos complementares por meio da alternância de poder. Desde os anos 80, a receita da China foi mesclar reformas liberalizantes do mercado com o controle estatal de setores estratégicos. Mas para Xi a economia inteira se tornou “estratégica”. O resultado, segundo o ex-premiê Wen Jiabao, é uma economia “instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável”.
A engenhosidade e o dinamismo do povo chinês tiveram uma parte no espetacular crescimento econômico das últimas décadas. A controvérsia entre entusiastas e críticos do “modelo chinês” sempre foi se esse crescimento aconteceu por causa das interferências estatais ou apesar delas. A questão está para ser definitivamente solucionada, agora que Xi Jinping, tendo destruído quaisquer resquícios de “freios e contrapesos”, está disposto a ampliar essa interferência a largos passos.