Os seis primeiros meses da terceira gestão de Lula da Silva foram marcados por um importante recorde no câmbio: a queda acumulada do dólar de 6,93%, que representou a maior valorização do real em um primeiro semestre de governo desde 2007. O segundo período do ano não foi tão bom, mas, mesmo assim, ao fim de 2023 o dólar registrava baixa de 8% ante o real, a maior queda anual desde 2016. Hoje o mercado de câmbio está completamente diferente. O ano de 2024 ainda não terminou, e a alta da moeda americana no ano ronda os 25%, com a cotação do dólar de R$ 6, recorde histórico.
Economistas apontam uma mudança de patamar e não apenas mera volatilidade, como afirmou Zeina Latif, em entrevista ao jornal O Globo. O mercado de câmbio, lembrou ela, está cada vez mais rígido e o comportamento do dólar tende a piorar um contexto inflacionário já desconfortável. Na primeira metade do ano, quando a mudança na relação cambial entre o dólar e o real começou a ganhar terreno, a visão da chegada a um novo patamar não estava assim tão cristalizada.
Avaliando a valorização do real do ano passado, é fácil enxergar a intensa relação entre o comportamento do câmbio e as pautas fiscais do governo. Na primeira metade de 2023, apesar do conturbado cenário externo, com a guerra entre Rússia e Ucrânia completando um ano, Lula da Silva, como era previsível, adotou comportamento mais moderado do que na época de campanha e, sob a coordenação do ministro Fernando Haddad, conseguiu aprovar o novo arcabouço fiscal e fazer andar a reforma tributária. As perspectivas eram de que o governo estava, enfim, caminhando em direção ao controle da dívida pública.
A entrada de capital estrangeiro aumentava à medida que também crescia a confiança no compromisso fiscal do governo, e a melhora das expectativas fez o Banco Central iniciar, em agosto, um ciclo de queda de juros. Os meses que se seguiram, porém, foram desmontando a confiança. Em abril de 2024, com apenas sete meses de vigência, o novo arcabouço teve as metas fiscais de 2025 e 2026 revisadas. A ideia de superávit em 2025 foi abandonada; em 2024 o governo passou a aceitar passivamente o rombo de até R$ 28,8 bilhões, que periga ser ultrapassado. Naquele abril, o dólar disparou 5,25% em uma semana, atingindo R$ 5,26, mas Haddad atribuiu “dois terços” da alta a incertezas vindas dos Estados Unidos.
Hoje é possível perceber com clareza que é a incerteza interna o maior motor da alta do dólar. A despeito do esforço da equipe econômica e das sucessivas promessas de buscar o equilíbrio das contas, está cada vez mais patente que política fiscal não é prioridade no governo e a forte resistência vinda do próprio presidente Lula mina a credibilidade dos discursos em contrário dos ministros do Planejamento, Simone Tebet, e da Fazenda.
Mesmo antes da divulgação do mirrado pacote de corte de gastos, o Boletim Focus, do Banco Central, já indicava dólar a R$ 5,70 no fim do ano. No atual contexto, o dólar a R$ 6 representa, de fato, um novo patamar, com consequências por certo desastrosas para inflação e juros.