Após oito anos, os chefes de governo dos 60 países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE) voltam a se reunir em Bruxelas, a partir de hoje, com o intuito de estreitar relações entre o Velho e o Novo Mundo. Na pauta estão questões globais, como segurança alimentar, desafios ambientais, tensões geopolíticas ou reformas do sistema financeiro. A propósito da guerra na Ucrânia, as divergências em relação ao posicionamento de ambas as partes devem resultar em uma declaração generalista e anódina, se tanto.
A questão birregional mais relevante, o acordo Mercosul-UE, não será objeto de negociações formais na cúpula, mas é uma oportunidade para fomentar as condições políticas para a ratificação.
Em parte, essas condições estão dadas pela conjuntura externa. O acordo foi negociado por duas décadas. Cálculos econométricos mostram que a sua forma final, atingida em 2019, é vantajosa para ambas as partes. As tensões geopolíticas, as tendências protecionistas dos EUA e as perdas de espaço de ambos os blocos para a China só o tornam mais relevante. Os maiores empecilhos são internos.
O impasse final veio por reações protecionistas de ambos os lados: protecionismo à indústria, por parte dos latino-americanos, e protecionismo à agropecuária, por parte dos europeus, dissimulados, respectivamente, sob preocupações sociais e ambientais.
Pressionados por movimentos ambientalistas assustados com os desvarios do governo Bolsonaro, os europeus passaram a demandar a inclusão de um anexo (side letter) com novas exigências ambientais. Em reação, os latino-americanos, encabeçados pelo presidente Lula, exigem reabrir negociações para garantir reservas de mercado em contratos públicos com fornecedores nacionais.
Como ponderou o colunista de economia do Estado Celso Ming, há três hipóteses para a nova linha dura do presidente Lula: “1) colocação de um ponto de barganha destinado a eliminar as exigências da side letter; 2) necessidade de satisfazer os segmentos nacionalistas mais radicais do PT e aliados que sempre foram contra qualquer acordo de abertura comercial; e 3) oposição de certos setores da indústria, especialmente da área da saúde”.
A primeira parecia uma tática particularmente pertinente quando a side letter ainda era informal e sigilosa, e a possibilidade de vincular sanções comerciais ao descumprimento de metas ambientais despertava uma justa irritação dos latino-americanos. Agora que os termos foram oficializados, sabe-se que não é o caso. Em relação a compromissos ambientais, os europeus podem vir a questionar seu descumprimento, mas não podem invocar o mecanismo de solução de controvérsias e muito menos impor sanções unilaterais.
Lula insiste que impedir que empresas europeias participem de licitações para compras governamentais é um modo de estimular a indústria, especialmente as pequenas e médias empresas. Mas a indústria em geral é amplamente favorável ao acordo. Para ela, a tendência é de diminuição dos custos de insumos e aumento da demanda europeia por produtos brasileiros de maior valor agregado. A Confederação Nacional da Indústria estima que, se o fim das tarifas de importação do bloco europeu previsto no acordo estivesse em vigor em 2022, isso representaria ganhos de R$ 13 bilhões às exportações brasileiras, e 99% desse valor corresponderia a produtos da indústria de transformação.
De resto, já há uma série de exceções no acordo para contratos do governo com estatais e pequenas e médias empresas e compras consideradas estratégicas para o setor de defesa ou saúde. Além disso, para todos os setores o acordo prevê uma liberalização gradual, dando tempo às empresas para se adaptarem à competição. Assim, cai por terra a terceira hipótese.
Resta a segunda. Lula quer preservar as prerrogativas do Estado de fazer negócios com empresas improdutivas apadrinhadas, ainda que isso implique prejuízos para o setor produtivo em geral e para o consumidor brasileiro. É hora de os prejudicados se fazerem ouvir.