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O óbvio ululante

Obviedade dos argumentos da PGR em recurso contra canetada de Dias Toffoli que livrou Marcelo Odebrecht de processos na Lava Jato dá uma ideia de quão absurda foi a decisão do ministro

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Por Notas & Informações
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou recurso ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli contra a sua decisão que, como se sabe, anulou monocraticamente todos os atos processuais e inquéritos em desfavor do empreiteiro Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. A decisão do ministro, como já foi sublinhado nesta página, é um disparate do início ao fim. Portanto, mais que esperado, esse recurso da PGR era absolutamente necessário para ao menos tentar restabelecer o juízo, na melhor acepção da palavra, em meio à confusão que o sr. Dias Toffoli tem provocado desde setembro de 2023, sabe-se lá por quais motivos.

Ao longo das mais de 100 páginas de sua decisão, Dias Toffoli mal conseguiu esconder a tentativa de transformar o maior esquema de corrupção que o País já conheceu, o assalto à Petrobras durante os governos lulopetistas, numa espécie de realidade alternativa – como se a miríade de crimes cujas autoria e materialidade restaram sobejamente comprovadas simplesmente não tivesse existido. A obviedade dos argumentos que o procurador-geral Paulo Gonet apresentou em seu recurso, por si só, dá uma ideia de quão absurda foi a canetada de Dias Toffoli – mais uma.

Considerando que Marcelo Odebrecht, ninguém menos, pudesse ter sido “vítima” do que chamou de “incontestável conluio processual” entre o então juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba (PR), e membros da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) na capital paranaense, Dias Toffoli declarou a “nulidade absoluta” de todos os processos e inquéritos que tramitavam contra um dos maiores empreiteiros do País. Ao mesmo tempo, o ministro achou que era o caso de preservar o acordo de colaboração premiada firmado entre o sr. Odebrecht e autoridades federais – mas apenas e tão somente nos dispositivos que beneficiam o colaborador, não nos que impõem ônus a ele.

Diante dessa esdrúxula interpretação, Gonet teve de escrever o óbvio em seu agravo interno. Para o procurador-geral, “não há que se falar em nulidade dos atos processuais praticados em consequência direta das descobertas obtidas nesse mesmo acordo (anulado)”. Ademais, a PGR reforça em sua peça recursal que Marcelo Odebrecht é um criminoso confesso, e a prática dos crimes de que foi acusado, junto com dezenas de outros executivos da Odebrecht (hoje rebatizada como Novonor), foi “minudenciada pelos membros da sociedade empresária com a entrega de documentos comprobatórios” de cada um desses delitos. À luz da exegese toffoliana, o “Departamento de Operações Estruturadas” da Odebrecht, eufemismo para o centro nervoso da gestão da corrupção na companhia, ou não existiu ou está imune a consequências jurídico-penais.

Não se sabe como Dias Toffoli recebeu o recurso da PGR. Mas decerto é de constranger a lembrança, digamos assim, feita pelo procurador-geral de que os termos do acordo de colaboração da Odebrecht “não foram declarados ilegais e foram homologados, não pelo Juízo de Curitiba, mas pelo Supremo Tribunal Federal (em particular, pela ministra Cármen Lúcia), tudo sem nenhuma coordenação de esforços da Justiça Federal do Paraná”.

Entre as muitas fraquezas da decisão monocrática de Dias Toffoli, a PGR cita ainda a impossibilidade de aplicação do pedido de extensão das decisões proferidas no âmbito da reclamação apresentada por Lula da Silva para anular os processos contra ele na Lava Jato com base nos controvertidos achados da Operação Spoofing. “Não cabe a imediata extensão para casos que não se provem iguais. Não são iguais, é certo, os casos que tiveram início com pedidos diferentes entre si”, argumentou Gonet.

A PGR pede, por fim, que Dias Toffoli “reconsidere” sua decisão, o que é bastante improvável, ou dê provimento ao agravo interno para que o plenário do STF se pronuncie sobre o caso. De fato, é fundamental que a Corte se manifeste como o tribunal colegiado que é sobre uma decisão individual de um de seus membros que tem seriíssimas implicações para todo o País.