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O ocaso do 'Cavaliere'

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Por Redação
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Talvez ele tenha se lembrado das últimas palavras atribuídas a Júlio César, ao ser apunhalado por seus inimigos no Senado romano, no legendário 15 de março de 44: "Até tu, Brutus, filho meu?". De fato, foi Angelino Alfano, o afilhado político do senador e quatro vezes primeiro-ministro Silvio Berlusconi, quem comandou o motim que infligiu a Il Cavaliere, o mais importante - e nefasto - dirigente italiano das duas últimas décadas, o golpe quem sabe fatal para as ambições que ainda teimava em cultivar. Evidentemente, é abissal a diferença entre a tragédia histórica dos Idos de Março e o colapso da autoridade de Berlusconi junto aos seus liderados do direitista Poppolo della Libertà (PdL), como batizou, com típica megalomania, o seu partido-feudo, sucessor do Forza Italia. Primeiro, porque o que andou em jogo não era o destino do país, mas o mandato de uma figura indigna, sem nada que o redima. Segundo, porque Berlusconi se rendeu inesperadamente aos rebelados, perdendo a oportunidade de incluir um momento de grandeza na sua deplorável biografia. E terceiro, porque a humilhação a que se submeteu apenas apressará o fim de sua trajetória.Ele queria desesperadamente impedir a cassação do seu mandato na sessão do Senado marcada em princípio para hoje. O impeachment é um desdobramento lógico da pena de um ano em prisão domiciliar a que ele foi condenado por fraude fiscal e passará a cumprir no próximo dia 15. Em breve, a Justiça dirá por quanto tempo ele ficará banido da vida pública. Berlusconi é proprietário da Mediaset, o conglomerado que controla, entre pencas de órgãos de comunicação, três das sete redes italianas de TV. Dono também do grupo financeiro Fininvest, o magnata tem uma fortuna pessoal avaliada em US$ 6,2 bilhões. Em abril último, o Partido Democrático, de centro-esquerda, embora tivesse obtido a maioria das cadeiras na Câmara nas eleições de dois meses antes, foi obrigado a recorrer ao PdL, vitorioso no Senado, para formar um governo de união nacional, sob a chefia do deputado Enrico Letta. Na partilha do poder, a sigla de Berlusconi foi contemplada com cinco Ministérios. Quando a legenda do primeiro-ministro se recusou a adiar a votação do impeachment de seu aliado, Berlusconi foi às vias de fato.Mandou seus cinco ministros pedirem demissão - o que eles fizeram, sabendo que Letta os confirmaria nos cargos - e exigiu que o governo se submetesse a um voto de confiança, na expectativa de derrubá-lo. Pouco se lhe dava o que isso significaria para a Itália, sob a maior recessão desde a 2.ª Guerra Mundial, e para a crise econômica que assola a zona do euro. Foi quando 25 parlamentares do PdL, numa articulação conduzida pelo vice-premiê Angelino Alfano, o favorito de Berlusconi no partido, resolveram dizer-lhe não. Sintomaticamente, os jornais do Cavaliere acusaram Alfano de "patricídio".Na tarde de quarta-feira, para surpresa geral, um abatido Berlusconi subiu à tribuna do Senado para defender a continuidade do governo. Invocando o interesse nacional, anunciou que o PdL ficará a favor de Letta. Dessa vez para surpresa de ninguém, 235 senadores deram-lhe o voto de confiança (ante 70 que o negaram). Na Câmara, o resultado foi 435 a 162. Instantaneamente, a bolsa de Milão subiu 2%, enquanto os juros da dívida italiana caíram de 4,74% para 4,37%. Os italianos despertaram de um pesadelo apenas para voltar a uma realidade que é tudo menos um sonho, com a economia e as instituições políticas competindo para ver qual está mais esclerosada. É de lembrar que o partido mais votado em fevereiro (25% dos sufrágios) foi o Movimento Cinco Estrelas, do comediante Beppe Grillo, com sua campanha contra os políticos. O sistema eleitoral beira o surrealismo, a burocracia é um monstrengo, a criativa economia dos anos 1980 degradou-se numa das menos competitivas do mundo desenvolvido e o desemprego entre os jovens alcança 40%.A rigor, para a estabilidade do governo e o desengavetamento das reformas prometidas por Letta, melhor teria sido se Berlusconi insistisse em derrubá-lo - e fracassasse.