O Supremo Tribunal Federal (STF) está sob ataque. Real e simbólico. Não há outra forma de descrever as ações hostis e o desrespeito a decisões da Corte por parte do presidente Jair Bolsonaro e de parlamentares e lideranças do Congresso. O momento é gravíssimo. O País não assistia a uma afronta tão desabrida à instância máxima do Poder Judiciário desde o conflituoso mandato do presidente Floriano Peixoto (1891-1894). O “Marechal de Ferro” não era um democrata e fazia pouco-caso da tripartição dos Poderes da República e do sistema de freios e contrapesos. Assim como Bolsonaro.
Os cidadãos precisam ter em conta o que está em jogo quando o Supremo é atacado, seja por meio de ameaças explícitas ou veladas a seus ministros, servidores e familiares, depredações de suas dependências físicas ou pelo descumprimento puro e simples de suas decisões. Em outras palavras: é preciso entender qual é o papel de uma Corte Suprema na democracia e por que defender a instituição é o mesmo que defender a manutenção das liberdades civis e da paz social.
A Constituição, em seu artigo 102, delega sua guarda ao Supremo. Do ponto de vista prático, “guardar” a Constituição significa interpretar o seu texto e ter a palavra final diante de conflitos em torno de nosso pacto social. Quando o Supremo é desqualificado como última instância com poder para dirimir esses conflitos e pacificar a sociedade, rui a própria ideia da Justiça como um avanço civilizatório. A partir daí, vale tudo, não há mais limites. Comandos legais correm o risco de perder valor. Em casos extremos, cidadãos podem olhar para esse processo de deslegitimização do Supremo – liderado por altas autoridades da República, que deveriam servir como modelos de cidadania e respeito às leis – como uma espécie de autorização tácita para resolver suas contendas particulares da forma que bem entenderem, inclusive pela imposição da força bruta.
Nas noites em que consegue dormir, Jair Bolsonaro decerto sonha com esse ambiente caótico, beirando a distopia, em que a força até mesmo das armas prevalece sobre o diálogo e as leis. Uma sociedade conflagrada, sem um “árbitro” reconhecido por todos como a autoridade apta a “guardar” as regras do jogo, é tudo o que o presidente da República quer para exercitar seus delírios de poder. Não se pode perder de vista que a campanha de difamação do Supremo capitaneada por Bolsonaro mira a desqualificação do Poder Judiciário, especificamente do Tribunal Superior Eleitoral, como garantidor do resultado das eleições de 2022, que Bolsonaro não reconhecerá caso seja derrotado. O presidente teve a audácia de pugnar até por uma “apuração paralela” do resultado das urnas pelas Forças Armadas. Isso não é autorizado pela Constituição nem tampouco é atribuição dos militares. Logo, ao atacar o guardião da Constituição, Bolsonaro pavimenta o caminho para impor as “leis” que lhe derem na veneta.
Para Bolsonaro, o arranjo institucional ideal seria o modelo pré-Revolução Americana, quando o Judiciário, antes do advento da Supreme Court, era uma espécie de anexo do Executivo. Mas nem é preciso ir tão longe no tempo. Bolsonaro já se contentaria em ver no Brasil a mesma submissão de juízes ao chefe de governo que é vista hoje em países como a Hungria e a Venezuela.
Por sua vez, o Congresso, que deveria cerrar fileiras em defesa do Estado Democrático de Direito, toma parte no conflito com o Supremo por ver no Judiciário, tal qual Bolsonaro, um anteparo às suas investidas sobre o Orçamento da União. Jamais os parlamentares se refestelaram tanto com recursos públicos como agora. Cobrados pelo Supremo a dar transparência às emendas de relator, base do “orçamento secreto”, os presidentes das duas Casas Legislativas ignoraram olimpicamente a decisão emanada do outro lado da Praça dos Três Poderes.
A sociedade brasileira precisa se erguer contra esses ataques à autoridade do Supremo. Errando ou acertando em suas decisões, um STF íntegro do ponto de vista institucional é o último refúgio antes da barbárie.