Na hipótese benevolente, a nota pusilânime por meio da qual o governo de Lula da Silva reagiu ao ataque do Irã a Israel no fim de semana passado mostra que a política externa brasileira está entregue a rematados ineptos. Na hipótese mais realista, considerando o alinhamento entusiasmado do Brasil sob Lula ao movimento antiocidental liderado por tiranias diversas, entre as quais o Irã, trata-se de mais uma prova de má-fé da diplomacia lulopetista.
Como se sabe, o Irã atacou Israel diretamente pela primeira vez na história, disparando mais de 300 drones e mísseis. O ataque, frustrado pelo sistema de defesa de Israel e pelo apoio de forças americanas, francesas, britânicas e de alguns países árabes, inaugurou um imprevisível capítulo nos conflitos da região. Por esse motivo, vários governos imediatamente condenaram, sem meias palavras, a agressão iraniana, e é provável que o regime dos aiatolás sofra novas sanções.
Enquanto isso, o governo brasileiro achou que era o caso de dizer apenas que acompanhava “com grave preocupação” os “relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”. Mesmo para os padrões lulopetistas, é incomum tanto cinismo condensado numa única frase. Primeiro, tratou uma informação concreta como “relato”. Depois, chamou o ataque de “envio”, como se fossem cartas e encomendas por correio, e não mísseis disparados contra outro país. Por fim, nenhuma palavra de condenação ao agressor, o Irã – ao contrário, a nota brasileira conseguiu a proeza sugerir que foi a ação de Israel em Gaza que causou o “alastramento das hostilidades à Cisjordânia e a outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, Irã”. É como se, pasme o leitor, todos esses países e territórios fossem vítimas – menos Israel, claro.
No dia seguinte, ao tentar se justificar, o chanceler Mauro Vieira ofendeu a inteligência alheia sugerindo que a nota havia sido produzida quando “não tínhamos claro a extensão ou o alcance das medidas”. Ora, no momento em que o Brasil se manifestava, as chancelarias do mundo inteiro já conheciam perfeitamente bem a extensão e a gravidade do ataque – inclusive o fato de que, não fossem a eficiência israelense e a ajuda de aliados e de países árabes, um sem-número de civis teria sido atingido. Ou seja, o Irã fez exatamente o que o governo Lula acusa tão furiosamente Israel de fazer, a ponto de comparações hiperbólicas com o nazismo: um ataque desproporcional e indiscriminado que poderia dizimar milhares de civis e precipitar a região no caos. Mas isso não mereceu reparos por parte do Itamaraty do sr. Vieira.
Quando oito oficiais da Guarda Revolucionária do Irã foram mortos provavelmente por Israel num ataque a um anexo consular na Síria, o Itamaraty foi rápido em condenar as mortes de “funcionários diplomáticos”. Como se sabe, os mortos eram integrantes da guarda pretoriana dos aiatolás responsáveis por coordenar as milícias de Teerã que praticam terrorismo mundo afora e oprimem populações do Oriente Médio, incluindo os palestinos de Gaza. Nem sequer a solidariedade com o povo iraniano é sincera. Se fosse, o Brasil não teria se abstido de votar na ONU pela continuação das investigações de violações dos direitos de mulheres, crianças e minorias pela teocracia xiita.
É constrangedor ver um diplomata de carreira com as credenciais de Vieira sujeitar-se a dar lustro ao tratamento privilegiado que o presidente Lula confere a ditaduras companheiras. Como se sabe, o Itamaraty do sr. Vieira, fiel à doutrina do chanceler de facto Celso Amorim, tem dificuldades de condenar o Hamas como terrorista, a agressão criminosa da Rússia contra a Ucrânia e a truculência chavista contra os venezuelanos.
Quando a torpeza moral se infiltra até a raiz dos cabelos, mesmo arremedos de platitudes humanitárias são vis. Vieira disse que “o Brasil condena sempre qualquer ato de violência” – desde que não parta dos companheiros do tal “Sul Global”.