Deveria ser ponto pacífico, fora de discussão. Os ataques e as ameaças contra o regime democrático brasileiro, cometidos nos últimos anos e que culminaram no 8 de Janeiro, demandam especial senso de responsabilidade de todas as autoridades. São tempos de acirramento político-ideológico, de esgarçamento do tecido social e de profunda incompreensão sobre o exercício das liberdades individuais. Há quem confunda, por exemplo, liberdade de opinião com direito de agredir os outros. Tais circunstâncias exigem maturidade, firmeza e equilíbrio de todos os Poderes. Não é hora de atiçar os ânimos, mas de aplicar isenta e imparcialmente a lei.
No entanto, o governo Lula tem-se mostrado alheio a esse primário dever de responsabilidade. Em vez de fortalecer a democracia, aproveita-se das circunstâncias atuais para difundir um perigoso e disfuncional populismo, que distorce o sistema de Justiça e ignora as garantias constitucionais mais básicas. Eis a ironia: o governo Lula, que se diz progressista, promove um incontestável retrocesso civilizatório.
O governo federal debocha da inteligência alheia. Apresentado na sexta-feira passada, o “Pacote da Democracia”, com propostas de alteração da lei penal, poderia ter saído da pasta da Justiça chefiada pelo ex-juiz Sérgio Moro. A mentalidade constante no documento elaborado pelo governo Lula é a mesma que se viu durante todo o governo Bolsonaro. Enxerga a criminalidade no País como consequência de uma suposta legislação branda, que precisaria ser urgentemente enrijecida.
É desolador. No momento em que a democracia mais precisa de proteção operativa e eficaz, o governo federal recorre a velhas fórmulas que manifestamente têm fracassado na proteção dos bens jurídicos. Aumento desproporcional de pena, inclusão de novos crimes hediondos e fortalecimento dos poderes de ofício ao juiz – nada disso proporciona a proteção prometida.
Em vez de realizar um diagnóstico sério das causas que levaram à situação atual, o governo Lula escolheu o atalho cômodo de apresentar respostas simplistas para questões complexas. Que ninguém se engane. A democracia brasileira não se fortalecerá se o Congresso aprovar a tal proposta de pena de até 40 anos para quem atentar contra a vida do presidente da República, do vice-presidente, dos chefes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, de ministros do Supremo Tribunal Federal e do procurador-geral da República. O mesmo se pode dizer sobre a proposta de transformar em crimes hediondos o homicídio e a lesão corporal gravíssima praticados dentro de instituições de ensino. Alterada inúmeras vezes para abrigar mais e mais tipos penais, a Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos) tem sido um caso paradigmático de disfuncionalidade, com sua reconhecida inaptidão para reduzir a criminalidade.
O tal “Pacote da Democracia” assusta, mas sua resposta autoritária não é fenômeno isolado. O destempero e o desequilíbrio têm sido constantes, por exemplo, no falatório de Lula sobre o caso envolvendo o ministro Alexandre de Moraes em Roma. No domingo, Lula voltou ao tema. Além de chamar de “canalha” o suposto autor de uma agressão ainda não provada, o presidente da República que foi eleito pregando a união nacional disse que é preciso derrotar os bolsonaristas e generalizou: “Os malucos estão na rua, ofendendo pessoas, xingando pessoas como aconteceu esses dias com Alexandre de Moraes”.
Não se defende a democracia com agressões ao princípio da presunção de inocência, tampouco com a criminalização indiscriminada dos apoiadores de determinada corrente política. Essas práticas não condizem com o Estado Democrático de Direito, sempre plural e cuja defesa requer temperança e responsabilidade.
O Congresso tem o dever de rejeitar o populismo penal de Lula que, sob pretexto de reduzir a criminalidade, desequilibra ainda mais o sistema de Justiça. Afinal, Lula derrotou Jair Bolsonaro nas urnas com a promessa de fazer diferente. Não foi para criar novas penas de 40 anos ou para agredir opositores com discursos irresponsáveis.