Menos de um mês após o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) ter sido obrigado a suspender a importação de insumos para a produção de medicamentos para tratamento de câncer por falta de recursos orçamentários, afetando com isso mais de 1,5 milhão de pacientes, o Ministério da Economia reduziu em 87% as verbas para a área de ciência e tecnologia.
Esses acontecimentos não são fatos isolados e revelam não só o negacionismo científico do governo Bolsonaro em plena pandemia, mas, também, o inconsequente desmanche do sistema científico do País. O corte, de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões, veio na sequência de uma série de outros recentes absurdos. Um deles foi o colapso da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que reúne informações sobre trabalhos realizados por todos os pesquisadores brasileiros. Outro absurdo foram os cortes dos recursos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em plena crise de apagão nos reservatórios de água e de risco de colapso energético. Entre outras atribuições, o Inpe é responsável pelos programas de previsão meteorológica e de monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos.
Esses fatos mostram que, desde o início do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil não tem governo nem, muito menos, estratégia. Nunca, como nestes últimos dois anos e dez meses, o País esteve tão perdido do ponto vista das políticas industrial, de inovação, de empreendedorismo, de saúde pública e de educação, as quais dependem de investimentos em ciência e tecnologia para que possam ter sucesso. Se no tempo da ditadura o desenvolvimento científico foi associado à pesquisa militar e à área de informática, a partir da redemocratização ele se voltou a questões de saúde, energia, meio ambiente, sustentabilidade. Em todos esses períodos não faltaram recursos para as áreas de ciência e tecnologia. Elas foram dirigidas por profissionais preparados, e não por um oficial da Aeronáutica de média patente, como ocorre hoje. Reformado com apenas 43 anos, ele é conhecido apenas por ter feito uma viagem ao espaço e por se submeter ao negacionismo de seu superior, apesar da importância de seu Ministério para o futuro do País.
É por isso que dirigentes da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Academia Nacional de Medicina e de entidades de outras áreas do conhecimento técnico-científico classificaram o corte orçamentário de “criminoso”, uma vez que o governo não respeitou a lei que proíbe o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Esses dirigentes também acusaram o Ministério da Economia de má-fé, por vir liberando verbas constitucionais a conta-gotas, a fim de que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações não tenha tempo hábil de gastá-las até o final de 2021. “Esse dinheiro seria usado para recuperar parte da infraestrutura de laboratórios e equipamentos de grande porte perdidos com os sucessivos cortes de verbas, além de pesquisas de relevância ligadas ao enfrentamento da pandemia”, afirmam eles, em nota de protesto.
Como no ano passado o governo investiu na área um volume de recursos inferior ao que ela recebia em 2009, a situação da ciência brasileira se tornou dramática. No campo da saúde, isso dificultará ainda mais o combate à pandemia. No plano econômico, levará à perda da produtividade do País, num momento em que as disputas no âmbito do comércio globalizado são cada vez mais acirradas. No plano político, o desprezo pela produção do conhecimento continuará impedindo a formação de uma política científica capaz de embasar um projeto de futuro para o País. E, no plano internacional, levará o Brasil a permanecer na posição de figurante na geopolítica mundial.
Essas são as consequências nefastas causadas aos brasileiros pelo governo Bolsonaro, incapaz de compreender que ciência não é capricho, e sim desenvolvimento, progresso e poder.