Um levantamento do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, identificou 455 casos de violência contra lideranças políticas do Brasil de janeiro a 16 de setembro deste ano. À medida que o pleito se aproxima, os incidentes aumentam. Entre julho e 16 de setembro, foram 15 homicídios. No período eleitoral crítico, daqui até o segundo turno, a tendência é de aumento.
A violência política tem se intensificado nos últimos ciclos eleitorais. Segundo levantamento do Estadão, a média de mortes por motivações políticas nos primeiros dez ciclos da redemocratização foi de 52. Em 2020, ao menos 72 brasileiros foram assassinados por motivações políticas. Só as agressões contra lideranças computadas pelo OVPE já são maiores que em 2020 e 2022.
Duas causas parecem alavancar essa escalada. Uma é da ordem da cultura política: a intensificação da polarização e da intolerância e a naturalização da truculência como meio de ação política. A outra é um problema sistêmico de segurança pública: a expansão e complexificação do crime organizado e sua infiltração no Estado.
Divergências são naturais e desejáveis em uma democracia. Mesmo certos graus de polarização são normais. Processos deliberativos e ciclos eleitorais culminam inevitavelmente em momentos em que é preciso decidir “sim” ou “não”, “contra” ou “a favor”. O problema é quando essas polarizações – necessárias, circunstanciais e localizadas – se degeneram em polarizações estruturais, generalizadas e perniciosas, e a pluralidade de esferas sociais passa a ser determinada pela clivagem político-ideológica.
Nas democracias esse processo de radicalização ocorre de cima para baixo. Políticos de ofício têm incentivos para promover atitudes polarizadas, forjando “batalhões” leais e permanentemente mobilizados. Em contrapartida, esses batalhões exigem de seus representantes um alinhamento cada vez mais estrito às linhas partidárias e desmoralizam os moderados. Cria-se um círculo vicioso entre elites políticas radicais e massas militantes radicalizadas, que esvazia o centro, amplia a distância entre os polos e intensifica a hostilidade entre eles.
Essa clivagem única degrada o processo democrático, impossibilitando interações, consensos e compromissos; disseminando desconfiança nas instituições e no jogo democrático; e incentivando o sensacionalismo e o tribalismo. Adversários políticos se tornam inimigos existenciais. A desumanização do “outro” propicia as condições para violências de todo tipo, desde a segregação até a eliminação.
Mas possivelmente a principal causa do aumento da violência é a infiltração do crime organizado na máquina pública. A atuação das facções e milícias passa pelo financiamento de campanhas de aliados, intimidação e extorsão de eleitores, ameaças a políticos, corrupção de agentes de Estado e captura de contratos públicos.
As forças de segurança precisam organizar núcleos específicos que investiguem permanentemente as relações promíscuas entre a política e o crime. Os partidos precisam aprimorar mecanismos de controle para identificar e afastar criminosos ou agregados do crime organizado.
Quanto à violência política “passional”, por assim dizer, a Justiça Eleitoral pode aprimorar as condições de segurança nos ciclos eleitorais, especialmente nos dias das eleições. Mas desarmar os ânimos não é tarefa de um dia, e a responsabilidade é de todos: de cada cidadão, das organizações civis, mídia, instituições públicas e, especialmente, elites políticas. Um desenho institucional de prevenção e mitigação deve considerar melhorias no sistema da Justiça Eleitoral e uma infraestrutura para a paz, incluindo pactos e códigos de conduta, comitês suprapartidários e campanhas e sistemas de alerta.
A responsabilidade final é do eleitor. A menos que puna hoje, nas urnas, os autoritários que instrumentalizam a retórica da demonização, do “vale-tudo” no “nós contra eles” e, sobretudo, os que apelam às vias de fato, amanhã não só seu voto pode ser tolhido, como a sua própria vida.