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O presente de Lula para a classe média

Em busca de votos e sem tempo a perder, governo isenta classe média do pagamento do IR, não corrige a tabela, abre mão de R$ 27 bilhões e abandona a ideia de uma reforma ampla

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Por Notas & Informações
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O governo enviou ao Congresso o projeto de lei que garante a isenção do Imposto de Renda (IR) para todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais e um desconto para quem recebe entre R$ 5 mil e R$ 7 mil. A estimativa é de que a medida gere uma renúncia fiscal de R$ 27 bilhões, integralmente compensada, segundo a equipe econômica, pela tributação mínima sobre a alta renda.

Geralmente falha, a comunicação do Executivo funcionou bem ao associar uma medida evidentemente populista à ideia de um país mais justo. Mais justo e correto, no entanto, seria corrigir a tabela do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) e criar novas faixas de contribuição. Mais justo e simples seria taxar lucros e dividendos. E certamente ainda mais justo e corajoso seria propor uma reforma ampla sobre todos os impostos que incidem sobre a renda e que desse fim a regimes especiais de tributação que permitem ao 0,06% mais rico pagar uma alíquota efetiva média de 2,54% sobre sua renda.

Mas não é de justiça que se trata. Corrigir a tabela do IRPF diluiria o benefício além da classe média, alcançando camadas da população que o governo já desistiu de conquistar. Taxar lucros e dividendos exigiria do governo uma liderança dotada de articulação política invejável no Congresso, que o governo já comprovou não ter. E propor uma reforma ampla sobre a renda demandaria tempo e disposição para o debate, mas um governo em busca de uma marca para apresentar nas eleições não dispõe desses ativos.

O próprio governo reconheceu, na exposição de motivos, que o projeto não é a melhor alternativa para tornar a carga tributária mais justa e progressiva. “Enquanto tal reforma estrutural não ocorre, medidas alternativas como a imposição de imposto mínimo sobre os milionários podem cumprir um papel paliativo temporário, compensando a falta de progressividade no topo da pirâmide”, diz o texto, assinado pelo ministro Fernando Haddad.

Pouco importa se as perdas serão mesmo compensadas, sobretudo para o Congresso. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pouco disse sobre o projeto, mas nem precisava ser mais claro. “O Congresso, com certeza, na sua diversidade, fará alterações nessa matéria. Não tenho dúvidas, pela importância que ela tem, alterações que com certeza visarão a melhorar a proposta”, afirmou.

Melhor ou pior, como se sabe, depende pouco da qualidade do projeto em si e mais do ponto de vista de quem é beneficiado ou afetado pela medida. Sabendo do caráter populista dos deputados e senadores e das boas relações que o Congresso mantém com as classes mais privilegiadas, já se pode imaginar como serão pautados os debates no Legislativo.

Num contexto politicamente desfavorável, resgatar uma ousada promessa de campanha que muitos acreditavam ser impossível de cumprir caiu como luva. Não importa se a renúncia vai causar impactos nas receitas não apenas da União, mas também no caixa de Estados e municípios. A exemplo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Lula da Silva lançou um desafio do qual dificilmente sairá derrotado. Que deputado, senador, governador ou prefeito ousará defender a responsabilidade fiscal e posicionar-se contra uma medida que reduz os impostos para a classe média?

É a mesma lógica adotada por Bolsonaro quando transformou o barateamento dos combustíveis numa bandeira eleitoral impondo a redução do ICMS, quando reajustou generosamente o antigo Auxílio Brasil e quando criou benefícios para taxistas e caminhoneiros – tudo isso a menos de um ano da eleição.

Para o bem e para o mal, o alcance do projeto de Lula para o IR será gigantesco. De um lado, cerca de 10 milhões de brasileiros serão diretamente beneficiados com a isenção e poderão gastar mais, o que pressionará a inflação. De outro, nada menos que 90% dos brasileiros que pagam Imposto de Renda estarão na faixa de isenção total ou parcial e deixarão de contribuir com os cofres públicos.

Uma vez aprovada, a benesse valerá a partir de 2026, mas seu verdadeiro custo só será conhecido em 2027. Este, no entanto, será um problema do próximo presidente da República.