Em tempos de acirramento político-ideológico e de incompreensão generalizada sobre o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) no Estado Democrático de Direito, a Procuradoria-Geral da República (PGR) forneceu uma oportunidade para a Corte mostrar seu compromisso com a igualdade de todos perante a lei, sem pactuar com o corporativismo. Não convém desperdiçar o ensejo.
Em recurso interposto no inquérito que investiga suposta agressão contra o ministro Alexandre de Moraes e sua família no aeroporto de Roma, a PGR fez dois pedidos ao ministro Dias Toffoli, relator do caso: o levantamento integral do sigilo das filmagens contendo as supostas hostilidades e a reconsideração da decisão que admitiu a participação das supostas vítimas, desde a fase da investigação, como assistentes de acusação.
“Não se pode construir privilégios em investigações criminais e, por tal razão, não se pode admitir a manutenção do sigilo fragmentado da prova no caso em exame”, disse a PGR a respeito do sigilo. Lembrou ainda que a restrição imposta prejudica o trabalho do Ministério Público e afeta a compreensão dos fatos pela opinião pública.
Sobre a participação de Alexandre de Moraes e familiares como assistentes de acusação, a PGR afirmou se tratar de um “privilégio pessoal”, em razão de inexistir essa figura na fase de investigação. “Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial. Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades acima elencadas, nem mesmo para o presidente da República”, diz o recurso do Ministério Público.
Talvez se pense, não sem razão, que o inquérito das supostas agressões no aeroporto de Roma é um caso menor, em comparação com outros processos importantes do STF, que afetam toda a sociedade. No entanto, é nos casos aparentemente pequenos que se manifesta o efetivo respeito de um tribunal pela lei. Não há nenhum sentido em conceder tratamento diferenciado a um ministro do STF, tratamento este que nenhum outro cidadão recebe por parte da Justiça.
Por isso, ao recorrer da decisão do ministro Dias Toffoli, a PGR não confrontou a autoridade do STF, como alguns disseram. O que fez, isso sim, foi prestar um favor ao Supremo, ao dar a oportunidade para que ele se emende e revogue as medidas excepcionais. Não faz bem à autoridade de uma Corte constitucional a concessão de privilégios a seus integrantes.
Ninguém tem dúvida de que, no caso concreto, os direitos do ministro Alexandre de Moraes e de sua família serão exemplarmente respeitados. Ou seja, não há necessidade de medidas que, mesmo não sendo proibidas por lei, são manifestamente inusuais.
Não deve haver tolerância com agressões e ameaças contra o STF, seus ministros e familiares. Se houve alguma conduta criminosa, os autores têm de ser punidos. Mas nada disso autoriza descumprir a lei ou criar privilégios, simplesmente porque a suposta vítima é ministro do Supremo. Esta é a melhor defesa que se pode fazer do STF: para todos, a mesma lei.