Se Israel é ou não a “luz das nações”, como diz a Bíblia, ao menos está ajudando a lançar luz em uma zona densamente obscurecida da cultura moderna: a liberdade de expressão nas universidades, especialmente nas norte-americanas, epicentro de uma epidemia de intolerância e segregação que se alastra pelo ambiente acadêmico das nações democráticas, e de lá para suas instituições e corporações.
Após uma onda de virulentos protestos antissemistas e pró-jihadistas nos campi americanos, as presidentes de Harvard, MIT e Pensilvânia – três das oito universidades do clube de elite da Ivy League – foram convocadas a depor no Congresso. Perguntadas se conclamar o genocídio de judeus é permitido por seus códigos de conduta, as três responderam: depende do contexto.
A resposta está em linha com o direito americano. Por mais incômodo que seja a muitas pessoas, a liberdade de expressão nos EUA é um direito quase absoluto. Ao contrário de várias outras democracias, “discursos de ódio” são protegidos pela Constituição. As exceções não só dependem do contexto, como este contexto é extremamente limitado: apenas se o discurso em questão for “dirigido a incitar ou produzir uma ação iminentemente ilegal” ou se representar um “perigo claro e imediato”, como gritar “fogo!” no cinema. Isso vale até para o pior dos crimes: o genocídio. Num caso clássico, a Suprema Corte autorizou passeatas neonazistas.
Universidades públicas não podem se desviar dos parâmetros maximalistas da Constituição. As privadas podem estabelecer seus códigos de conduta. O problema é que, dada a hiper-representação de esquerda nos quadros universitários, esses códigos têm sido empregados para reprimir dissidências da ortodoxia progressista.
Nove em dez acadêmicos americanos são de esquerda. Nas faculdades de humanas a desproporção é muito maior. A maioria dos alunos também é progressista.
Poucas coisas contribuíram mais para a associação nos EUA do termo liberal ao progressismo que os protestos estudantis pela liberdade de expressão nos anos 70. Hoje é o inverso. Esquerdistas iliberais exigem das diretorias cursos compulsórios de teorias identitárias, a exclusão do currículo de livros que supostamente ferem sensibilidades de minorias, a seleção de alunos condicionada a confissões de fé no credo da “Diversidade e Inclusão” e a contratação de professores não brancos ou homossexuais. Discursos ofensivos ou só incômodos são equiparados à “violência”. Essa cultura tóxica não só está asfixiando a livre investigação, como está gestando jovens autoritários e paranoicos. Transtornos de ansiedade e depressão estão escalando na Geração Z.
Qualquer discordância dos dogmas sacramentados pelos cardeais das teorias críticas de raça, gênero e sexualidade é anatematizada como “racismo”, “misoginia” ou “homofobia”. De 250 universidades avaliadas pela Fundação para os Direitos Individuais e de Expressão, Harvard e Pensilvânia foram consideradas as mais hostis à liberdade de expressão, com base em casos de palestras canceladas e professores castigados ou expulsos.
A prevaricação das presidentes das universidades da Ivy League no Congresso expôs sua hipocrisia e seu padrão de dois pesos e duas medidas. Se um discurso contraria o mandarinato progressista (digamos, criticando critérios de seleção raciais, afirmando que o sexo é binário ou, pior, errando um pronome), deve ser imediatamente combatido, mas se pede o extermínio de “brancos”, “opressores” e “colonizadores”, que é como os fanáticos entendem os israelenses, então a liberdade de expressão passa a ser absoluta.
A cultura do cancelamento é o cancelamento da cultura, ao menos da cultura democrática, alicerçada no pluralismo de ideias e dinamizada pelo livre debate. As universidades deveriam ser os santuários desses princípios e laboratórios para experimentá-los até seus limites. Mas se tornaram o oposto. Que nas usinas do autoritarismo da “nova esquerda” tenha se instalado uma controvérsia sobre a politização acadêmica é um sinal dos tempos de que a sociedade talvez esteja madura para superar a cultura do cancelamento.