O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse numa palestra na Universidade Mackenzie, na semana passada, que as redes sociais são “um instrumento bom”, mas que têm sido usadas “de forma extremamente competente por um novo grupo político, os extremistas populistas”, para solapar a democracia. Para o ministro, o ideal é que as empresas que administram as redes sociais se responsabilizem pelo que publicam. Enquanto isso não acontece, presume-se pelo contexto, restaria ao Judiciário agir para proteger os cidadãos daquilo que o ministro Moraes chamou de “discurso de ódio”.
Subjaz a essas declarações de Alexandre de Moraes uma preocupante visão segundo a qual estamos numa luta do “bem” contra o “mal”, e o primeiro é representado por aqueles que prezam a democracia – liderados pelo Supremo – e o segundo é encarnado na ganância das chamadas “Big Techs” e na vileza dos extremistas de direita. Fosse o sr. Moraes um anônimo cidadão comum a conversar no bar, sua visão não teria maiores consequências. No entanto, tendo partido não somente de um ministro da Corte mais alta do País, mas também do poderoso relator dos processos sobre “fake news” e “milícias digitais” no Supremo, a opinião do sr. Moraes equivale a um veredicto.
A expressão “discurso de ódio” não se encontra em nenhum lugar do ordenamento jurídico brasileiro. É apenas o rótulo usado por aqueles que, a pretexto de proteger a sociedade e a democracia, defendem o cerceamento preventivo da manifestação do pensamento. Há alguns anos, o Supremo Tribunal Federal arvorou-se em árbitro do discurso político, sobretudo nas redes sociais, mandando derrubar perfis que, em sua visão, ameaçam a democracia – o que é tratado liminarmente como crime de lesa-pátria.
A censura judicial, que deveria ser ato excepcionalíssimo em momentos excepcionalíssimos, como é o caso do período eleitoral, tornou-se assustadoramente corriqueira. Não é preciso ser simpatizante dos censurados – e este jornal não é, sobretudo dos extremistas que querem destruir a democracia – para ver aí um padrão preocupante.
E esse padrão parece responder a uma visão de mundo autoritária, segundo a qual cabe ao Estado expurgar a sociedade de seus vícios, de acordo com um ideal determinado por um grupo de iluminados que se autoatribuiu a missão de salvar os brasileiros de si mesmos. De acordo com esse raciocínio, os brasileiros não podem ter nenhum contato com opiniões tidas como violentas ou ameaçadoras, pois seriam incapazes de discernir o certo e o errado, o bem e o mal, o virtuoso e o viciado – e estariam, portanto, sempre à mercê do extremismo.
Ora, se os cidadãos brasileiros são capazes de escolher seus governantes, são igualmente capazes de julgar quais informações lhes serão úteis ou podem prejudicá-los Já as eventuais ofensas são tratadas pela lei – e quem for difamado, caluniado ou injuriado deve recorrer à Justiça para obter a devida reparação. Essa é a lógica de um país verdadeiramente livre, em que os direitos básicos são assegurados a todos, independentemente do caráter e do comportamento de cada um. Ninguém pode ter medo de ser punido por expressar sua opinião, mesmo que seja agressiva e eventualmente antidemocrática, pois isso não é digno de uma democracia.
Mas é justamente isso o que está acontecendo no Brasil, num grau de arbitrariedade característico dos regimes de exceção. Os poderosos juízes do Supremo querem controlar o debate nacional sem ter nenhuma autoridade legal para isso – e todos os que criticam essa truculência são desde logo classificados como “inimigos da democracia”.
A beleza de uma democracia liberal, como pretende ser a brasileira, está na liberdade como princípio: todo cidadão é livre para fazer e falar o que bem entende, respondendo por seus atos e palavras na forma da lei. Numa sociedade assim, coisas desagradáveis eventualmente são ditas ou feitas. Pode ser que isso fira a sensibilidade de um ou outro ministro do Supremo, mas é o preço de viver numa verdadeira democracia.