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O repto ao Tribunal Penal Internacional

Decisão da Hungria de se retirar do TPI é apenas o abalo mais recente no organismo

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Por Notas & Informações
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A Hungria informou que iniciará procedimento de retirada do país do Tribunal Penal Internacional (TPI), único fórum global permanente para o julgamento de crimes de guerra e genocídio.

Anunciada em meio à presença do premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, em Budapeste, para encontro com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, a decisão é só mais um passo no processo de desvalorização do TPI.

Por ser membro do tribunal, a Hungria teria de cumprir o mandado de prisão que o TPI expediu contra Netanyahu e entregá-lo para um centro de detenção em Haia, sede do tribunal. O TPI entende que o israelense cometeu crimes de guerra em Gaza, em razão da brutal resposta ao ataque terrorista do Hamas que matou mais de 1.200 israelenses, a maioria civis, em 7 de outubro de 2023. O tribunal também emitiu pedido de prisão contra Mohammed Deif (posteriormente falecido), um dos principais líderes do Hamas.

Mas bastou a emissão do mandado do TPI contra Netanyahu, em novembro de 2024, para que Orbán deixasse claro sua intenção de descumpri-la. Logo no dia seguinte, ele convidou o israelense a visitá-lo, em evidente provocação ao órgão internacional.

Inspirado em Donald Trump, que em fevereiro deste ano impôs sanções contra integrantes do TPI, Orbán dobrou a aposta e aproveitou a presença do aliado israelense em Budapeste para divulgar a saída do tribunal, descrito pelo húngaro como uma corte “política”. Os EUA, que não são membros do TPI, sancionaram o órgão em retaliação ao mandado de prisão contra Netanyahu.

Embora haja toda uma discussão jurídica sobre se a Hungria pode ou não descumprir a decisão porque oficialmente continua no TPI – e o processo de efetivação da saída levaria cerca de um ano –, a realidade é que a ordem não foi acatada.

Como o TPI não tem sua própria polícia, depende da aderência dos países signatários para a prisão de líderes procurados por crimes contra a humanidade. A ação de Orbán demonstra que tal aderência não é garantida – depende de circunstâncias políticas.

Recentemente, o ex-presidente das Filipinas Rodrigo Duterte foi preso em Manila e extraditado para Haia; lá será julgado pelo TPI por sua truculenta política de guerra às drogas. A extradição de Duterte ocorreu porque segundo o atual presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos Jr., o país cumpriu com “suas obrigações legais”. Marcos e Duterte são inimigos políticos.

Expostos os limites do TPI, agora é esperar que Lula da Silva não siga os passos de Orbán. Lula já chegou a dizer que o autocrata russo Vladimir Putin, sobre quem pesa uma ordem de prisão emitida pelo TPI, não seria preso caso viesse ao Brasil e igualmente ameaçou retirar o País do tribunal. Lula teve de atenuar sua declaração pouco depois, ante a evidente afronta à Constituição brasileira, mas manteve suas dúvidas sobre o interesse do Brasil em permanecer no TPI.

Sempre é possível discutir a conveniência da permanência do Brasil no TPI, mas, quando se observa que a hostilidade ao tribunal parte majoritariamente de gente com vocação autocrática, como Orbán, Netanyahu, Trump e Putin, parece claro de que lado o País deve estar.

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