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O risco do PCC para a democracia

Facção criminosa financia campanhas, ameaça políticos, firma contratos públicos e agora pretende ter candidaturas próprias. O risco iminente à democracia deve ser contido desde já

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Por Notas & Informações
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Decerto insatisfeito com o imenso poderio financeiro alcançado após décadas de bandidagem, o Primeiro Comando da Capital (PCC), ao que tudo indica, agora está disposto a contaminar a política, em um incipiente projeto de subversão da democracia. Investigações que revelaram as entranhas dessa organização, pelas quais criminosos empreendem negócios de fachada para lavar dinheiro do tráfico de drogas, têm apontado também a busca pelo poder em instituições de Estado.

Essa estratégia, segundo reportagem publicada pelo Estadão, tem ganhado tração desde as eleições passadas. A atuação da facção passa pelo financiamento de campanhas de aliados, contaminação da máquina pública, captura de contratos públicos, ameaças a políticos e até mesmo a tentativa de lançar representantes próprios para disputar pleitos.

O primeiro alerta dessas investidas surgiu após um líder do PCC ter tido, em 2016, a ideia de irrigar com dinheiro sujo do crime uma candidatura a prefeito de Arujá, na Grande São Paulo. A negociação se deu com o candidato a vice e, depois de eleita a chapa, a facção se apoderou da coleta de lixo da cidade e da Secretaria Municipal da Saúde, transformada em cabide de emprego de apaniguados dos delinquentes.

De lá para cá, esse tipo de negócio entrou na mira de investigadores também na capital paulista. Há um tempo, duas empresas do setor de transporte estão sob suspeita de que seus capitais sociais teriam dinheiro do PCC. Mesmo assim, a UPBus e a Transwolff, que hoje estão sob intervenção, receberam recursos milionários da Prefeitura de São Paulo. Neste ano, a Operação Fim de Linha expôs essa complexa rede de cooptação, prendeu um empresário ligado à facção e já virou, de modo rasteiro, um tema de pré-campanha.

Além da capacidade de comprar candidatos, de aparelhar a máquina pública com seus prepostos e de assinar contratos públicos com laranjas, o PCC há muito tempo restringe a liberdade de voto dos cidadãos em algumas regiões do Estado por meio da intimidação.

Há quatro anos, integrantes da facção disseminaram seu costumeiro terror nas eleições municipais de Campinas, Santos e Praia Grande. Pela força das armas, candidatos do PSDB foram simplesmente impedidos de fazer campanha em comunidades dominadas pelo crime organizado e tiveram de recorrer a escolta para apresentar seus planos aos eleitores.

Neste ano, o PCC pretendia dar um passo além. A organização queria chegar às urnas. Como mostrou a Operação Decurio, da Polícia Civil de São Paulo, a facção preparava a apresentação de candidaturas a vereador em Mogi das Cruzes e em Santo André.

Em Mogi, a mulher de um dos maiores responsáveis por lavar dinheiro do PCC participaria da disputa pelo União Brasil. Já no município do ABC paulista, o dono de uma empresa que também lavava dinheiro para a facção buscaria uma vaga na Câmara pelo PSD. Ambas as candidaturas foram barradas graças à operação da polícia, que, além disso, bloqueou R$ 8,1 bilhões por suspeita de esquema de lavagem de dinheiro.

Vale lembrar, ainda, que a recente Operação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim), na Cracolândia, resultou na prisão de uma ex-candidata a vereador pelo PT. Ela era responsável por monitorar ilegalmente por rádio a comunicação da polícia na região da Favela do Moinho, apontada como o QG do PCC na Cracolândia. Já o PRTB, partido que lançou Pablo Marçal à Prefeitura, chegou a ser comandado por um indiciado por suposta associação criminosa para o tráfico e de ter ligações com a facção.

Isso tudo indica que o poder financeiro parece dar impulso ao bando para se aventurar na política, corromper agentes públicos, drenar dinheiro do contribuinte por meio de contratos viciados e infiltrar-se em agremiações políticas. Aliás, os partidos precisam aprimorar seus mecanismos de controle para identificar e afastar bandidos ou agregados do crime organizado que degeneram suas fileiras.

Numa democracia, não há espaço para o medo nem se tolera a interdição do debate de ideias. É ousada a marcha do PCC rumo ao poder político, e esse fenômeno deve ser contido desde já, antes que cresça e se alastre. O perigo não pode ser ignorado.