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O risco dos extremos na França

Macron ainda é favorito para vencer a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen, mas a erosão do centro democrático nos últimos cinco anos é visível

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Por Notas&Informações
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O resultado do primeiro turno das eleições presidenciais francesas replicou o de 2017. O centrista e hoje incumbente Emmanuel Macron (do partido República em Marcha) enfrentará a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen (Reunião Nacional). O favoritismo ainda é de Macron, mas desde o início das eleições esse favoritismo diminuiu, e Le Pen tem hoje mais chances de virar o jogo, no dia 24, do que tinha em 2017. Para democratas e liberais franceses, a situação é de alerta. Para seus pares na Europa e no mundo o pleito francês é uma advertência.

Macron terminou o primeiro turno de 2017 com 24% dos votos. Agora atingiu quase 28%. A melhora reflete alguns resultados de sua gestão. Entre eles, o corte de impostos para empresas e famílias, a redução do desemprego, os programas de educação e capacitação e o desempenho na pandemia. O país tem mais vacinados que a média da Europa e sua economia se recuperou mais rápido. Macron revigorou o papel da França na União Europeia (UE), sua voz foi decisiva para o ambicioso fundo de recuperação pós-covid e vem sendo para equipar o bloco econômica e militarmente em tempos de incerteza geopolítica.

Por outro lado, seu “diálogo estratégico” com Vladimir Putin, presidente da Rússia, se mostrou ineficiente; e seu desinteresse pela Otan, temerário. Sua reforma da Previdência ficou congelada. Ele descobriu que a demagogia verde pode capitalizar menos apoio do que a popularidade do ambientalismo sugere: uma taxa sobre o diesel em 2018 deflagrou as revoltas populares dos “coletes amarelos”, das quais sua administração nunca se recuperou totalmente. Ele luta para se livrar da imagem pública de “presidente dos ricos”, conquistar a juventude e os que se sentem “deixados para trás” e mobilizar partidos na centro-esquerda e centro-direita. Em uma pesquisa recente, 60% dos franceses disseram não confiar em Macron, e 60% a 75% dizem que o país está em declínio.

Em 2017, Macron venceu Le Pen com sólidos 66% dos votos. Os estatísticos do Grupo The Economist e uma pesquisa do instituto YouGov projetam agora uma vitória bem mais apertada: algo entre 51% a 53%. Sintomaticamente, Le Pen tem mais apoio em quase todas as faixas etárias abaixo dos 55 anos.

A erosão do centro é visível, mas talvez seja menos tributável ao desânimo com Macron do que aos ânimos extremistas. Os votos combinados dos partidos tradicionais, Republicanos e Socialistas, caíram de 26% para 6,5%. Cerca de 60% dos franceses votaram em um candidato populista ou radical. O terceiro colocado, o radical de esquerda Jean-Luc Mélenchon, perdeu para Le Pen por pouco. Le Pen aumentou seus votos em mais de dois pontos porcentuais em relação aos 21% de 2017. Sua campanha foi mais pragmática, focando na redução do custo de vida e na imagem de uma líder capaz de tranquilizar o país em meio à crise. A campanha do ultrarreacionário Éric Zemmour (7% dos votos) ajudou a lhe dar ares moderados.

Mas todos os aspectos tóxicos de sua ideologia nacionalista permanecem no seu programa de governo, como o dirigismo econômico, a hostilidade em relação à UE e à Otan, a promessa de privilegiar os cidadãos franceses em relação a estrangeiros nas ofertas de emprego e moradia ou as ameaças aos costumes muçulmanos. No segundo turno, além da possível abstenção de verdes e socialistas, ela contará não só com os votos de Zemmour, mas com cerca de 20% dos votos de Mélenchon.

O avanço dos extremos na França serve de advertência aos centristas do mundo. Ele expõe a importância das alianças com partidos moderados, um tanto negligenciada por Macron. Em uma época de tribalismos e identitarismos exaltados e intensificados com a crise pandêmica e geopolítica, liberais e democratas têm o desafio de, sem renunciar à responsabilidade política e econômica, encontrar a fórmula quase mágica para serem populares sem serem populistas. Se vencer o desafio das eleições, Macron terá o desafio ainda maior de revigorar as instituições políticas na França. Como ele mesmo disse em 2016, “se não nos unirmos, em cinco ou dez anos”, Le Pen “estará no poder”.