Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O sexto aniversário do inquérito sem fim

O inquérito das ‘fake news’ chega a seis anos sem que haja qualquer perspectiva de conclusão, o que autoriza a suspeita de que se tornou um instrumento de exercício arbitrário de poder

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
2 min de leitura

O Inquérito 4.781, conhecido como “inquérito das fake news”, completou seis anos de tramitação na sexta-feira passada. Instaurado em 14 de março de 2019 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, o inquérito tinha como objetivo inicial apurar “fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”. De lá para cá, como restou notório, uma investigação legítima foi transformada em um instrumento ilegítimo de exercício de poder monocrático pelo ministro designado relator, Alexandre de Moraes, em afronta aos mais comezinhos princípios do Estado Democrático de Direito que o mesmo STF diz defender.

Este jornal é insuspeito para fazer as críticas que tem feito à duração e, principalmente, ao sigilo imposto pelo sr. Moraes ao inquérito. O Estadão foi o primeiro veículo da chamada grande imprensa a apoiar a decisão de ofício do ministro Dias Toffoli. Afirmamos nesta página que, na condição de presidente da Corte, era dever de Dias Toffoli defender a instituição, pois “velar pelas prerrogativas do Tribunal” é uma das principais atribuições de seu presidente. E “não há dúvida”, sublinhamos, “de que ameaças a seus ministros e familiares são uma tentativa de subjugar a independência do STF” (ver editorial O sigilo do STF, 16/3/2019).

O fato de ainda termos de fazer essa memória, malgrado o ministro presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ter reconhecido, no início de dezembro de 2024, que a conclusão do Inquérito 4.781 “está demorando” porque “os fatos se multiplicaram ao longo do tempo”, diz muito sobre a amplitude de uma investigação que, ao que parece, tem sido conduzida justamente para não ter fim – vale dizer, para ser instrumentalizada como um mecanismo de concentração de poder nas mãos de seu relator, algo que não se coaduna com a mera ideia de uma república democrática. “Fake news” e “desinformação” passaram a ser o que o sr. Moraes acha que é.

Decorrido tanto tempo, convém relembrar por que, afinal, o Inquérito 4.781 foi instaurado de ofício. O STF sofria uma onda de ataques articulados por apoiadores do então presidente Jair Bolsonaro. Sob o beneplácito, quando não incentivo, do Palácio do Planalto, os ministros do STF e seus familiares passaram a ser atacados e ameaçados pelas hostes bolsonaristas como forma de tolher a independência funcional da Corte e, assim, evitar – pensavam os radicais – a interposição de barreiras legais aos desígnios liberticidas de Bolsonaro, que, à época, ainda em início de mandato, já demonstrava claramente seu inconformismo com as contenções ao exercício do poder que caracteriza qualquer democracia digna do nome.

Mas não demorou para que o STF enxergasse no Inquérito 4.781 um meio de controlar, de forma inconstitucional, o que pode ou não ser publicado na imprensa profissional e nas redes sociais sobre os ministros ou a própria Corte. Em português cristalino: por meio do Inquérito 4.781, o STF, garantidor maior das liberdades constitucionais, tornou-se um órgão de censura. Um mês depois da abertura do inquérito, o ministro relator já impunha censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé porque os veículos publicaram uma reportagem, intitulada O amigo do amigo de meu pai, que implicava Dias Toffoli no acordo de colaboração premiada firmado pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht. Para lhe fazer justiça, Moraes logo reconheceu seu erro e revogou a censura aos veículos, mas o gênio já havia saído da garrafa.

E assim, de abuso em abuso, de censura em censura, chega-se a quase 2,2 mil dias de uma investigação que, a despeito de sua legitimidade inicial, há muito já deveria ter sido encerrada com o indiciamento de suspeitos sobre os quais recaiam indícios de autoria e materialidade de crimes ou o arquivamento. É inaceitável, a menos que não estejamos mais sob a égide da ordem constitucional democrática, que um inquérito perdure indefinidamente – seja por sua inconsistência material, seja pela conveniência de seu relator.