Aprovado pelo Congresso, o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) de Estados que se encontram em situação financeira calamitosa propiciará um alívio imediato e expressivo para os governos estaduais que a ele aderirem, mas impõe, à concessão dos benefícios financeiros, contrapartidas que, se cumpridas, poderão resultar em equilíbrio das contas no médio prazo. Como o projeto de criação do RRF aprovado pelo Senado, por 56 votos a favor e 9 contrários, já havia passado pela Câmara dos Deputados, foi encaminhado ao presidente da República, que ontem o sancionou sem vetos. Embora algumas exigências incluídas pelo Executivo na versão original do projeto tenham sido amenizadas no Congresso, o resultado final é considerado satisfatório pelo Ministério da Fazenda, pois as condições de renegociação da dívida dos Estados são rigorosas.
Alguns senadores condicionaram seu voto favorável ao projeto de criação do RRF à rápida aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei complementar, já aprovado pelo Senado, que legaliza os incentivos fiscais concedidos por governos estaduais sem o aval do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Esse aval é exigido pela Constituição e pela Lei Complementar 24, de 1975, mas boa parte dos incentivos a serem convalidados foi concedida unilateralmente por alguns Estados e por meio de instrumentos legais como decretos, portarias ou protocolos de intenção, sem a consulta prévia e a aprovação do Confaz, no processo conhecido como guerra fiscal. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que o projeto de legalização dos incentivos estaduais será votado na próxima terça-feira.
O primeiro governo estadual a se beneficiar das novas regras fiscais deve ser o do Rio de Janeiro, que não consegue nem pagar em dia os salários do funcionalismo público. Também em situação financeira crítica estão os governos de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
A nova versão do RRF substitui a aprovada pelo Congresso no fim do ano passado, mas vetada pelo presidente Michel Temer, pois permitia a renegociação das dívidas dos Estados sem as contrapartidas que eram exigidas pelo Executivo federal, mas foram retiradas do projeto pelos parlamentares.
O projeto agora aprovado permite a Estados com compromissos financeiros maiores do que sua disponibilidade de caixa, ou em situação de calamidade fiscal, suspender por três anos o pagamento da dívida com a União. Nesse período, esses Estados não sofrerão as consequências de eventual não pagamento de empréstimos concedidos por instituições financeiras ou organizações multilaterais, como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, e garantidos pelo Tesouro Nacional. Os valores não pagos serão acrescidos à dívida dos Estados com a União e cobrados, com os encargos contratuais, quando os devedores reiniciarem seus pagamentos.
Para aderir ao programa, o Estado devedor deverá comprometer-se a executar um plano de recuperação que inclua, entre outras medidas: privatização de empresas financeiras, de energia, de saneamento e outras; adoção de regime próprio de Previdência Social e criação de sistema de previdência complementar para seus funcionários; e redução de 10% ao ano dos incentivos concedidos na guerra fiscal. Esta última restrição é menos drástica do que a proposta pelo governo federal, de corte anual de 20% dos incentivos.
Além de se comprometer igualmente com metas de desempenho fiscal, o Estado que aderir ao RRF estará proibido de conceder aumentos para servidores, criar cargos que impliquem aumento de despesas, realizar concurso público e criar despesas obrigatórias de caráter continuado.
São medidas de prudência fiscal que, em boa parte, deveriam fazer parte da gestão financeira de todos os Estados, mas que foram ignoradas pelos governos dos Estados que hoje enfrentam séria crise. É a gravidade dessa crise que os leva a aceitar regras de austeridade e de responsabilidade fiscal que nunca deveriam ter ignorado.