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O teste de estresse da Justiça Eleitoral

O período eleitoral justifica medidas duras contra abusos da liberdade de expressão, mas, se publicações não forem inequivocamente inverídicas e descontextualizadas, é censura

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Por Notas & Informações
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 O combate à desinformação nunca foi tarefa fácil, tanto mais na era das redes digitais e em momentos de comoção social, como na crise pandêmica ou em disputas eleitorais. Os oportunistas e liberticidas sabem disso, e manobram numa zona cinzenta, pressionando a liberdade de expressão ao limite da legalidade. Quatro anos após o último pleito, a presunção do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux – “falar que pode haver fake news já é uma fake news” –, soa ainda mais ingênua e arrogante. E temerária: a remoção de conteúdos é remédio excepcional, que na circunstância ou dosagem erradas se torna veneno. Em uma palavra: censura.

O ministro do TSE Paulo de Tarso Sanseverino determinou a remoção de 31 publicações que associam o candidato do PT à Presidência, Lula da Silva, ao ditador da Nicarágua, Daniel Ortega. O ministro afirma que as publicações continham “conteúdos manifestamente inverídicos em que se propaga a desinformação de que o candidato Luiz Inácio Lula da Silva defendeu a invasão de igrejas, perseguiria os cristãos, bem como apoiaria a ditadura da Nicarágua”.

O caso expõe os riscos de uma atmosfera volátil criada pela combinação de uma jurisprudência incerta com o apetite das campanhas por baixarias.

Em 2021, o TSE modificou sua resolução sobre condutas ilícitas em campanha eleitoral, incluindo o veto à divulgação de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados. Com base nisso, o Tribunal tem removido conteúdos divulgados por apoiadores das campanhas, em especial a bolsonarista e a lulopetista.

O próprio Jair Bolsonaro, por exemplo, compartilhou um suposto áudio do líder do PCC, afirmando: “Marcola, chefão do PCC, confessa que Lula é o melhor para o crime organizado”. Por outro lado, entre as redes petistas circula uma publicação que sugere que Bolsonaro vai acabar com o feriado de Nossa Senhora Aparecida. O deputado federal André Janones, que apoia Lula, postou uma imagem adulterada que atribui ao portal de notícias G1 a informação de que num governo Bolsonaro o ex-presidente Fernando Collor seria ministro da Previdência e confiscaria o benefício dos aposentados. Este é um exemplo evidente de conteúdo “inverídico e descontextualizado”. O vídeo publicado foi recortado e tirado do contexto original, em que Bolsonaro advertia justamente os supostos riscos de Collor se tornar ministro em outro governo.

Outro exemplo foi a postagem do senador Flávio Bolsonaro dizendo que “Lula e PT apoiam invasões de igreja e perseguição de cristãos”. A afirmação foi feita não com base em qualquer declaração de Lula a respeito de igrejas ou padres, mas simplesmente em manchetes de jornal citando a perseguição religiosa promovida na Nicarágua do ditador Daniel Ortega.

A postagem foi removida por ordem do TSE. Mas nesse roldão entrou também um post da Gazeta do Povo no Twitter. Nele, o jornal paranaense afirma que “ditadura apoiada por Lula”, em referência à Nicarágua, “tira sinal da CNN do ar” – e faz um link a uma matéria sobre o tema. Ora, é um fato que, sob qualquer padrão da comunidade internacional, o regime de Ortega é considerado uma ditadura. É um fato que Lula já manifestou apoio ao governo de Ortega. E é um fato que Ortega tirou a CNN do ar. Nada há de inverídico ou descontextualizado na publicação.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou nota protestando contra a “censura” e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo declarou que vê “com preocupação decisões que colocam o Judiciário na posição de decidir o que um veículo jornalístico pode ou não publicar”. Como lembrou a ANJ, “a legislação brasileira dispõe de uma série de mecanismos para dirimir eventuais abusos à liberdade de expressão, mas neles não inclui a censura”.

A Justiça Eleitoral está sendo submetida a um teste de estresse pelo baixo nível das campanhas eleitorais. Por isso mesmo, precisa atuar com firmeza, mas sem abrir mão do máximo rigor técnico e prudência. Até para não justificar acusações, essas sim flagrantemente fraudulentas, que candidatos como Bolsonaro fazem à sua idoneidade, ela precisa aprender a separar o joio do trigo.