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O teste do pudim na Argentina

Ajuste até agora bem-sucedido de Milei enfrenta o necessário teste do câmbio mais livre

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Por Notas & Informações
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Em contrapartida a um aguardado – e necessário – acordo de US$ 20 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina finalmente removeu algumas de suas severas restrições cambiais, como, por exemplo, o teto de US$ 200 para a compra de moeda norte-americana por pessoas físicas. Além disso, o peso passou a flutuar dentro de uma banda – tal como no Brasil dos anos 1990 – de entre 1 mil e 1,4 mil pesos por dólar.

A julgar pela reação dos mercados nos primeiros dias de “flexibilização”, a gestão de Javier Milei, que resistia a mexer no câmbio antes das eleições legislativas de outubro, tem motivos para otimismo, ainda que a cautela com uma nação com um histórico de calotes e carência de dólares seja mandatória.

Após desvalorizar fortemente o peso como parte de um ajuste recessivo – mas necessário para reverter a destruição da economia argentina depois de anos de irresponsável administração peronista –, Milei colheu frutos com as medidas que ele mesmo descreveu como remédio amargo. A inflação, que superou os 200% em 2023, recuou para 118% no ano passado. Sob o libertário, o país também passou a colecionar superávits fiscais.

Gradualmente, porém, o peso foi se valorizando e uma maior flutuação da moeda era defendida por diversos atores econômicos, entre os quais o próprio FMI. Temeroso de que uma nova rodada de desvalorização cambial mais expressiva realimentasse a inflação, o governo de Milei vinha mantendo as rédeas cambiais criadas muito antes de ele assumir a Presidência.

É fato que, com a liberação parcial do câmbio agora posta em prática, haverá pressão inflacionária, mas os cálculos iniciais de analistas ouvidos pelo jornal La Nación posicionam a inflação de 2025 no patamar de 27%. É um nível superior ao previsto pelo próprio FMI (18% a 23%), mas bastante inferior ao que o país se acostumou nos últimos anos.

Dito de outra forma: os analistas entendem que o impacto inflacionário não será tão expressivo e, mais importante, terá caráter provisório.

Tanto melhor que seja assim, pois o caminho da Argentina rumo ao que o FMI classifica de “transição para uma nova fase do plano de estabilização e crescimento” é longo. A Argentina precisa desesperadamente recompor suas reservas para quem sabe um dia deixar de depender do FMI, de quem se tornou um “cliente” crônico.

Se os desafios argentinos já não são, por natureza, nada triviais, o alto grau de incerteza a que o mundo se vê submetido desde que Donald Trump retornou à Casa Branca exige que o comprometimento de Milei, do Congresso e do povo argentino com reformas estruturais seja extremamente sólido.

Com o acordo com o fundo, Milei, que por erros próprios vinha dando combustível a uma oposição organicamente desarticulada e sem projeto, ganha força para chegar às eleições de outubro com vigor.

Ampliar sua diminuta base no Congresso será essencial para que a receita econômica até agora bem-sucedida do libertário supere seu mais importante teste: o de longevidade. Acostumada a crises, a Argentina precisa provar que as conquistas recentes, feitas com enorme esforço da população, não têm prazo de validade.

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