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O valor do imigrante

Estudos no Reino Unido e nos EUA mostram que contribuição econômica de imigrantes é extremamente valiosa para as nações; em vez de deportá-los, é preciso saber atraí-los

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Por Notas & Informações
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O “impacto fiscal líquido” de um imigrante qualificado com visto de trabalho no Reino Unido, isto é, a relação entre o quanto o governo gasta em benefícios com esse residente e o quanto aufere em receita com impostos desse contribuinte, foi positivo em 16,3 mil libras esterlinas (cerca de R$ 127 mil) em 2022/23, bem acima da média de 14.400 libras (R$ 112 mil) de um trabalhador britânico adulto. O dado está no relatório do Comitê Consultivo para Imigração (MAC, na sigla em inglês), órgão vinculado ao Ministério do Interior britânico.

O relatório do MAC é um alerta importante para líderes políticos mundo afora, que diante dos desafios de uma economia em transformação passaram a culpar os imigrantes por mazelas que, sem a contribuição do trabalho estrangeiro, seriam ainda piores.

Embora seja intuitivo pensar no presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, quando se trata de retórica contrária aos imigrantes, ele não é o único a tratar trabalhadores estrangeiros como o grande mal a ser combatido.

No próprio Reino Unido, embora com graus diferentes, tanto o governo anterior, do conservador Rishi Sunak, como o atual, do trabalhista Keir Starmer, buscam limitar a imigração, mesmo a legal, tal qual o premiê canadense, Justin Trudeau, tido como moderado.

Pressionados por desafios como desaceleração econômica e envelhecimento da população, esses líderes têm sido compelidos a fechar as portas para trabalhadores estrangeiros, que enfrentam barreiras de entrada crescentes, como a obrigatoriedade de comprovar patrimônio ou renda cada vez maiores quando vão trabalhar ou estudar no exterior.

É óbvio que governos precisam calibrar bem suas políticas imigratórias, uma vez que os recursos, mesmo nas nações mais prósperas, são limitados, e as demandas, crescentes. No entanto, medidas extremamente radicais acabam por exacerbar o problema que em teoria visam a combater. A opção desastrada do Reino Unido pelo Brexit faz com que o país até hoje lide, por exemplo, com a falta crônica de caminhoneiros.

Além disso, setores como o de saúde e a indústria de cuidados, vitais em um mundo que envelhece, são extremamente dependentes de profissionais estrangeiros. Isso ocorre por diversos motivos, entre os quais a falta de mão de obra especializada no país que depende dos imigrantes ou até mesmo o fato de que pelo próprio nível de desenvolvimento, os cidadãos das nações ricas não querem mais exercer determinadas funções.

Para tornar a questão ainda mais complexa, parte destas funções só é preenchida por trabalhadores ilegais que, como os legais, também contribuem de forma significativa para as economias desenvolvidas.

Eis aí o paradoxo norte-americano, que nas eleições recentes consagrou a plataforma anti-imigração de Trump, eivada de xenofobia, mas que na prática, ao contrário do que apregoa o republicano, pode ter consequências desastrosas para a economia global.

O Instituto Peterson, um think tank econômico de Washington, calcula que o projeto de deportação em massa custaria entre 1,2 ponto porcentual e 7,4 pontos porcentuais do PIB dos Estados Unidos no fim de 2028. O recuo menor ocorreria em cenário de 1,3 milhão de deportações, enquanto o mais expressivo se daria se um contingente de 8,3 milhões de ilegais que vivem no país fosse despachado.

Trump garante que começará a deportar todos os imigrantes ilegais, que segundo ele “envenenam” o sangue da América e roubam empregos dos americanos, assim que tomar posse, em meados de janeiro.

Tal visão, contudo, está dissociada da realidade. De acordo com o Pew Research Center, a maioria dos eleitores norte-americanos (59% dos republicanos e 90% dos democratas) acredita que imigrantes, legais e ilegais, ocupam posições nas quais eles, cidadãos, não têm interesse.

Embora haja desafios logísticos, legais, diplomáticos e financeiros gigantescos no caminho de Trump rumo à deportação, o projeto, se implementado, seria um desastre para os Estados Unidos.

A verdade é que imigrantes serão cada vez mais necessários, sobretudo em países com população que envelhece rapidamente e necessita de mão de obra.