Imagem ex-librisOpinião do Estadão

O vexame do Senado

Na sabatina de Zanin, senadores escolheram a omissão, atestando sua própria inutilidade no processo. O mais novo ministro do STF é uma total incógnita. E isso é ruim para todos

Exclusivo para assinantes
Por Notas & Informações
3 min de leitura

O dia 21 de junho de 2023 não foi um bom dia para a história do Senado. Além de ter aprovado para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF) uma pessoa que não preenche os requisitos constitucionais do cargo, a Casa legislativa conseguiu a proeza de realizar uma sabatina absolutamente inútil. As oito horas que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado dedicou a inquirir o indicado do presidente Lula da Silva não lançaram nenhuma luz sobre o que de fato pensa o sr. Cristiano Zanin.

O procedimento formal previsto na Constituição foi cumprido: o presidente da República indicou um nome e o Senado aprovou, por maioria absoluta, esse nome. No entanto, o que de fato houve na quarta-feira foi um grande deboche com a Constituição. Aprovou-se para compor a Corte constitucional uma total incógnita. Sabe-se apenas que o novo ministro do STF prometeu ficar do “lado da Constituição”, o que é rigorosamente sua obrigação.

Nem se diga que não houve oportunidade. Os senadores tiveram amplo espaço para formular perguntas ao indicado do Palácio do Planalto ao Supremo. No entanto, as falas, para dizer o mínimo, foram constrangedoras – também daqueles que se apresentam como oposição ao governo.

Em vez de inquirir o candidato, os senadores procuravam afagá-lo. Mais do que preocupados em cumprir seu dever constitucional, eles pareciam interessados em não se indispor com aquele cuja aprovação era dada como certa. Eis a coragem dos que dizem ser oposição no Senado. O presidente Lula indicou seu advogado para integrar o STF, em franco menosprezo pelos valores republicanos, e esses parlamentares, ao invés de confrontar o sabatinado, deixando claro que ele estava ali não por seu notório saber jurídico, comprovadamente inexistente, e sim porque simplesmente é leal a Lula, preferiram elogiá-lo. No dizer do insuspeito Flávio Bolsonaro, a indicação de Zanin era “louvável” porque o advogado seria “garantista” – palavra que, no dialeto dos encalacrados na Justiça, como a família Bolsonaro, designa o advogado que invoca questões processuais para questionar condenações, especialidade de Zanin na defesa de Lula.

O mais estranho é que a responsabilidade do Senado no processo de escolha dos ministros do Supremo foi um tema amplamente alardeado na campanha eleitoral de 2022. Muitos dos atuais senadores elegeram-se justamente com a promessa de firme atuação em defesa dos requisitos constitucionais para compor o STF.

Na sabatina, contudo, o que se viu foi uma profunda incompreensão do papel e da responsabilidade do Senado na proteção do STF. A indicação de um profissional sem notável saber jurídico e sem que se conheça sua efetiva compreensão da Constituição é uma agressão ao Estado Democrático de Direito. Não é questão de política partidária. Não é questão de apoio ou não ao presidente Lula, até porque Cristiano Zanin terá agora direito a ficar no STF por várias décadas após o fim do governo Lula.

Convocados a cumprir seu dever constitucional – realizar a sabatina da pessoa indicada a integrar o órgão máximo da hierarquia do Poder Judiciário –, os senadores limitaram-se a chancelar a escolha de Lula, que garantiu que seu indicado era advogado e pai de família da melhor qualidade. Como ser bom advogado e dedicado pai de família não estão entre as exigências constitucionais para a vaga de ministro do STF, cabia ao Senado sabatinar o candidato para verificar se Zanin preenchia de fato os requisitos para o cargo. Mas a sabatina foi um longo jogo de cena, atestando sua inutilidade, em afronta ao espírito da Constituição.

O presidente Lula merece muitas críticas pela indicação de seu advogado ao STF. Mas, a rigor, merece ainda maior reprovação o Senado. Mesmo os senadores governistas não representaram, de forma responsável, seus eleitores na quarta-feira. Com um voto cego na escolha do Palácio do Planalto, deram não apenas aval a uma incógnita, mas optaram por ignorar as experiências passadas com as indicações de Lula para o STF. Não podem depois queixar-se.

O País ressente-se com tamanha irresponsabilidade, com tamanha indiferença à Constituição. Assim, fica mais difícil fortalecer o STF.