A população da Região Metropolitana de São Paulo está se deslocando menos, revelou a pesquisa Origem e Destino (OD), o mais detalhado levantamento sobre mobilidade urbana do Brasil, que o Metrô paulista realiza desde 1967.
Em 2023, segundo a OD, o volume de viagens diárias recuou 15,1% em relação a 2017, para 35,661 milhões. Isoladamente, esta queda no número de deslocamentos não é um problema. Uma série de mudanças tecnológicas e comportamentais permite que, na atualidade, não seja preciso sair de casa para ir ao banco, à escola ou fazer compras, por exemplo.
Além disso, o trabalho remoto, popularizado durante a pandemia de covid-19, também se consolidou. Por sinal, a OD, tradicionalmente divulgada a cada década, sempre em ano com final 7, foi antecipada de 2027 para 2025, justamente para que se entendesse melhor o impacto do isolamento social necessário à época da pandemia sobre o comportamento da população em relação ao transporte urbano.
Mas, enquanto a queda geral nas locomoções por si só não é negativa, o fato de a pesquisa ter captado, pela primeira vez em mais de duas décadas, que os deslocamentos por transporte individual (51,2%) superaram os realizados por meio de transporte coletivo (48,8%) deveria alarmar os gestores públicos.
Era questão de tempo, que a pandemia acabou por acelerar. Levantamentos anteriores já detectavam que a utilização do transporte público vinha em declínio. Agora a curva finalmente se inverteu. Porcentualmente, o uso do transporte coletivo recuou 19,8% entre 2017 e 2023; foram 3 milhões de viagens/dia a menos via modais públicos – com destaque para o recuo de 2,6 milhões nas viagens de ônibus –, enquanto os deslocamentos individuais (seja por meio de veículo próprio, táxi ou aplicativo) caíram apenas 0,9%, ou 116 mil viagens/dia.
Outro recorte relevante da pesquisa, ao qual os gestores públicos precisam prestar especial atenção, diz respeito à relação deslocamento/renda. Embora a população mais pobre, sem surpresa, se locomova primordialmente via ônibus, trem ou metrô, a utilização do transporte individual cresceu em todas as faixas de rendimento.
À luz das críticas dos usuários e das ponderações dos especialistas, é justo concluir que as deficiências do transporte público (que passam por número insuficiente de corredores exclusivos para ônibus, frota envelhecida – e mais propensa a paradas para manutenção – e tempo elevado de espera em pontos e terminais) acabam por empurrar a população para o transporte individual, mesmo que isso lhe custe caro.
Como bem definiu Sérgio Avelleda, coordenador do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper, em entrevista à rádio CBN, “desenhe a cidade que você quer ter, que você terá”.
Mundo afora, metrópoles populosas e ricas privilegiam o transporte coletivo, o que só traz benefícios tanto para os residentes quanto para os gestores públicos: a população economiza e perde menos tempo em engarrafamentos, enquanto os administradores contribuem com a redução da poluição, o que é cada vez mais necessário em tempos de extremos climáticos, e gastam menos com ações de socorro no trânsito, haja vista a queda no número de acidentes.
A Grande São Paulo não só pode, como deve privilegiar o transporte público. Exemplo disso é que a região central da capital, extremamente bem atendida por linhas de ônibus, trem e metrô, é aquela em que um elevado porcentual de moradores não tem carro – mais de 70% das famílias dos distritos Sé e República não possuem automóvel. Mas, enquanto a realidade do centro for exceção, e não regra, a Região Metropolitana e a população, sobretudo a mais pobre, seguirão no prejuízo.
Insuficiente e ineficiente, o transporte público seguirá perdendo usuários e, consequentemente, receitas, tornando a complexa gestão financeira do sistema de transporte público ainda mais desafiadora. Já os mais necessitados seguirão comprometendo a própria renda para conseguir o básico: se deslocar. E, assim, perde-se por todos os lados: social, financeiro, ambiental e mental. É questão de escolha. E a escolha, até agora, tem sido a errada.