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Operação desforra

O espírito da Operação Escudo, deflagrada pelo governo paulista em reação a ataques contra policiais, parece ser apenas o de vingança, que em nada contribui para a segurança pública

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Por Notas & Informações
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A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo retomou nesta semana a Operação Escudo – nome genérico para operações da Polícia Militar (PM) que são deflagradas sempre que policiais são alvo de ataques de criminosos. Esse protocolo, criado no governo de Tarcísio de Freitas, tornou-se célebre em razão da violenta atuação da polícia em resposta ao assassinato de um policial no Guarujá, entre julho e agosto do ano passado – em 40 dias, 28 pessoas foram mortas pela PM, configurando a ação policial mais letal no Estado desde o massacre do Carandiru, em 1992. A respeito daquele caso, há diversas denúncias de violações de direitos humanos, incluindo tortura e execução sumária, mas o governador Tarcísio classificou as mortes como “efeitos colaterais”.

A recente retomada da Operação Escudo se dá em resposta a cinco ataques contra policiais em diversos pontos do Estado no fim de semana passado. “Nenhum ataque a policial ficará impune”, justificou o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite. “A Escudo sempre é deflagrada quando há agressão a policiais”, reforçou Tarcísio.

A reação em si e as palavras que a adornam escancaram a natureza da resposta estatal. O objetivo primário desse tipo de operação não é tornar a sociedade mais segura. Trata-se apenas de vingança, de preferência transformando a ação em espetáculo para deleite dos que acreditam que criminosos (ou apenas suspeitos de crimes) não são titulares de direitos básicos. Tal espírito desabona o que deveriam ser os princípios da ação estatal diante do crime: retomar e preservar a autoridade do Estado, conter a violência (contra agentes públicos e contra quem quer que seja) e frear a sensação de insegurança na população.

Mas nada disso parece importar nestes tempos estranhos. Derivando perigosamente para o terreno do populismo, o governador Tarcísio declarou ao Estadão que “a população quer uma política mais dura”, pois “não aguenta mais bandidagem”. Na avaliação do governador paulista, é esse tipo de política de segurança pública que justifica a alta popularidade do governador de Goiás, Ronaldo Caiado. “A política de tolerância zero de lá fez dele o governador mais bem avaliado do Brasil”, disse Tarcísio.

Trata-se de uma simplificação grosseira. “Tolerância zero” é o nome fantasia para a generalização da violência policial contra os suspeitos de sempre. É evidente que esse tipo de ação, amplamente divulgada para criar impacto, tende a atrair a simpatia de quem, como disse Tarcísio, “não aguenta mais bandidagem”, o que obviamente gera muitos pontos de popularidade. É a escola do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que se tornou o líder mais popular da América Latina ao reduzir os índices de criminalidade no país por meio de uma política de detenções generalizadas, sem ordem judicial e sem qualquer respeito pelos direitos dos suspeitos.

Nesses termos, “tolerância zero” significa que, no limite, alegados imperativos de segurança pública, atendendo a um clamor popular, justificam a suspensão de garantias constitucionais. O nome disso é regime de exceção, não é democracia. Um Estado sem freios ou constrangimentos é precisamente o sonho de líderes com vocação autoritária. Este jornal, fundado nos princípios da liberdade, não pode deixar de observar os graves riscos embutidos nesse tipo de concepção de Estado. A “segurança” derivada da truculência policial é apenas aparente. É a paz dos cemitérios.

O Estado não é nem pode ser vingador. O que distingue policiais de bandidos é o compromisso com as leis. Além do aprimoramento técnico contínuo das polícias, o uso racional da força e o respeito às mais estritas balizas legais deveriam fazer parte do dia a dia das instituições de segurança. As melhores evidências também mostram maior eficácia de operações discretas, planejadas, com articulação entre as polícias e os demais órgãos de segurança pública. Desforra é coisa de bárbaros.