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Oportunismo escancarado

Mal se elegeu deputada por SP, Rosangela Moro torna a transferir título para Curitiba para se candidatar a vice-prefeita, caso que ilustra o esvaziamento da representação eleitoral

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Por Notas & Informações
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Não faz nem dois anos que a advogada paranaense Rosangela Moro (União Brasil) transferiu seu domicílio eleitoral para São Paulo a fim de concorrer a uma vaga como deputada federal. Sem jamais ter morado no Estado, apresentou-se como apta a representar os interesses dos paulistas no Congresso. Por alguma razão insondável – talvez o sobrenome do marido, o ex-juiz Sérgio Moro, sempre lembrado por sua atuação na Lava Jato, a tenha ajudado mais do que suas desconhecidas propostas eleitorais –, a sra. Moro foi eleita, e com expressivos duzentos e tantos mil votos. Eis que agora, no entanto, São Paulo já não interessa mais à deputada: ela tornou a transferir o domicílio eleitoral para o seu Paraná natal, onde, conforme acaba de anunciar, pretende concorrer como vice na chapa à prefeitura de Curitiba encabeçada pelo deputado estadual Ney Leprevost (União Brasil).

Logo que assumiu a nova candidatura, a sra. Moro deixou claro que São Paulo foi apenas um acidente insignificante em sua vida. “Pela primeira vez, Curitiba tem uma chapa de pré-candidatos com uma legítima representante da ‘República de Curitiba’”, declarou a orgulhosa curitibana, fazendo referência à turma da Lava Jato liderada por seu marido e claramente mais à vontade do que quando se viu forçada a comer pastel de feira para parecer paulistana.

Se São Paulo é irrelevante para a sra. Moro, a sra. Moro, por razões evidentes, é irrelevante para São Paulo, mas seu caso ajuda muito a ilustrar como um péssimo hábito da política está se tornando cada vez mais arraigado: a mudança de domicílio eleitoral exclusivamente para buscar melhores chances de vencer uma eleição.

A sra. Moro certamente não será a última pessoa a mudar de domicílio eleitoral conforme conveniências que nada têm a ver com os interesses dos eleitores. Recentemente, é bom lembrar, o carioca Tarcísio de Freitas mudou seu domicílio eleitoral para São José dos Campos, onde nunca viveu, a fim de disputar o governo paulista por ordem de seu padrinho, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Agora, Tarcísio mudou de novo de domicílio eleitoral, para a capital, com o objetivo de votar no prefeito Ricardo Nunes, a quem apoia.

Até pouco tempo atrás, o mais célebre símbolo desse nomadismo eleitoral era o maranhense José Sarney, que depois de deixar a Presidência da República em 1990, rejeitado pela maioria dos brasileiros, teve que se candidatar ao Senado pelo Amapá, e não pelo Maranhão, seu feudo político. Apesar de poucas vezes ter sido visto no Amapá, seja antes ou depois das eleições de que participou, Sarney foi eleito três vezes.

Desde então, registram-se outras dezenas de casos, de Damares Alves a Eduardo Bolsonaro, de Marina Silva a Eduardo Cunha. Está claro que o domicílio eleitoral está se tornando uma mera formalidade. Não deveria ser.

A legislação é flexível no que diz respeito ao domicílio eleitoral. De fato, não há necessidade de morar em determinado lugar para estabelecer esse domicílio. Basta ter algum vínculo profissional, familiar, patrimonial ou político com a cidade para a qual o candidato queira transferir seu título. No entanto, quando se pretende representar os interesses dos eleitores no Congresso Nacional, é conveniente conhecer os dramas e as aspirações desses eleitores. Do mesmo modo, quando se pretende administrar uma cidade ou um Estado, deveria ser obrigatório conhecer os problemas com os quais o candidato terá que lidar, seja ao apresentar propostas na campanha, seja quando tiver que governar, caso vença a eleição.

Nada disso parece ser levado em conta nos cálculos dos partidos e dos candidatos quando se montam estratégias de campanha que incluem mudança de domicílio eleitoral. Não se oferece mais uma genuína representação local, e sim um discurso ideológico vazio, que drena as energias políticas do País e nada tem a ver com problemas reais. Os candidatos não precisam mais nem comer pastel para fingir que são paulistanos; basta que sejam notórios, truculentos ou excêntricos o bastante para angariar votos de quem perdeu a fé na política.